Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

HISTORINHAS DA MEDICINA

Os médicos são, em regra, bons ouvintes. Não admira. A chave para o diagnóstico de muitas situações patológicas está nas palavras dos doentes.
Nem sempre é assim. Às vezes, os pacientes contam as histórias como as interpretam, valorizando aspectos marginais ou coincidentes com a evolução dos seus males. Parece até que nos querem enganar. Aconteceu assim com uma senhora alentejana que entrou angustiada no meu consultório.
- Senhor Doutor! Há quase um ano, roubaram-me o ouro. Pensei, pensei, e descobri a ladra. Acusei-a em público. Encheu-se de vergonha e fugiu a chorar. Deram com ela dois dias depois, no fundo de um poço. Nunca mais deixei de pensar naquela mulher. Fiquei tão transtornada que até a cara me mudou! Vim cá para tratar dos nervos.
Bem, a cara tinha mudado mesmo. A pele tornara-se mais espessa, enquanto os lábios, a língua e o queixo lhe cresciam. Os dedos das mãos engrossaram e os anéis recuperados deixaram de lhe servir. Teve de passar a usar sapatos de um número maior. Tratava-se de uma acromegália.
Curiosamente, tinha uma irmã gémea. Eram tão parecidas tempos atrás que, quem as não conhecia bem, encontrava dificuldades em distingui-las. Ofereceu-me uma fotografia antiga em que estavam juntas. Eram raparigas bonitas, mas a minha doente mal se reconhecia.
Felizmente, a cirurgia teve êxito e as alterações morfológicas induzidas pela doente regrediram em boa parte. As duas gémeas alentejanas não voltaram a ser iguais mas recuperaram alguma semelhança.