Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

segunda-feira, 6 de julho de 2020



OS MÉDICOS DA PESTE


No começo da Idade Moderna, na Europa, já se reconhecia empiricamente a importância de proteger o nariz, a boca e os olhos contra as infeções. Assim, para se defenderem dos miasmas supostamente existentes no ar fétido, alguns médicos usavam máscaras inspiradas em bicos de aves. No seu interior eram colocadas substâncias aromáticas. O lugar dos olhos era preenchido com lentes de vidro.


É curiosa a associação das substâncias com bom cheiro à ação desinfetante. A ideia poderá ter nascido do contraste com o cheiro pútrido da matéria orgânica em decomposição. Usavam-se, entre outras substâncias, a hortelã, a cânfora e a mirra. A palha servia de filtro para o ar contaminado.
O traje era completo, com botas, luvas, blusa e chapéu, geralmente em couro de cabra. Cobriam-se com um sobretudo de pano grosso.










A sua utilização reduziu-se no século XVIII. As máscaras cirúrgicas dos nossos dias tiveram origem quando se começou a desenvolver a bacteriologia.
Existiram médicos da peste um pouco em toda a Europa. Foram conhecidos, pelo menos na Itália, na Holanda, na Espanha e na França.
Eram contratados pelas cidades atingidas pelas epidemias e deveriam tratar ricos e pobres. Os seus serviços eram considerados valiosos e valeram-lhes alguns privilégios, como o de praticar autópsias, proibidas em muitos países. Como seria de esperar, alguns contraíam a doença no exercício da profissão e acabavam por falecer.
Os médicos da peste usavam bastões para poderem examinar os doentes sem os tocar. Uma das suas obrigações consistia em proceder ao registo dos vitimados pela praga. Em muitos casos, foram testemunhas das últimas vontades e, frequentemente, testamenteiros.
Os métodos terapêuticos eram os da época: praticavam sangrias e colocavam sanguessugas nas adenopatias. Muitas vezes as suas funções obrigavam-nos à quarentena.
Embora o cargo tenha sido desempenhado por nomes sonantes da História da Medicina, de modo geral, esses clínicos eram considerados médicos de segunda categoria. Na França e na Holanda, não dispunham mesmo de qualquer formação médica.
Quase todas as regras conhecem exceções.
Guy de Chauliac, médico do papa Clemente VI, foi dos primeiros clínicos a investigar a doença. Acabou por morrer dela.


   Guy de Chauliac praticando a autópsia de o corpo dum falecido com peste negra.


O famoso Nostradamus deu conselhos interessantes para combater a peste: os cadáveres deveriam ser removidos rapidamente e convinha respirar ar puro e beber água limpa. Nostradamus opôs-se à sangria dos pestiferados. 
Paracelso e Ambroise Paré desempenharam também as funções de médicos da peste.