Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

domingo, 11 de maio de 2025

MÉDICOS: NEM DEUSES, NEM DEMÓNIOS

                                      SEGUNDO VOLUME

Foi ontem apresentado na sede da Ordem dos Médicos, em Lisboa,  o segundo volume de MÉDICOS: NEM DEUSES, NEM DEMÓNIOS, a continuação da homenagem ao grande escritor português e antigo membro da direção da SOPEM, Fernando Namora.

Por estar convalescente duma virose respiratória alta pouco grave mas muito contagiosa, não participei na cerimónia.

A edição foi financiada pelo Conselho Regional do Sul da nossa Ordem, a quem agradecemos. 


Tal como aconteceu com o primeiro volume, esse facto impede a comercialização do livro e limita seriamente o número de exemplares a distribuir pelos autores. Pudemos apenas aumentar a tiragem de 100 para 150 exemplares. O Rogério Palma Rodrigues sugeriu que fizéssemos uma edição paralela em e-book. Estou disposto a colaborar nesse projeto.

Aos coautores desta obra (que coordenei) o meu agradecimento. 


Escolhi para título da minha colaboração “JOÃO SEMANA”. Para além de homenagear o nosso colega Joaquim Gomes Coelho, que eternizou o pseudónimo de  Júlio Dinis, pretendo com ela prestar tributo a todos os homens e organizações que ao longo de vários séculos precederam o Serviço Nacional de Saúde, tratando os portugueses pobres. Foram essencialmente os hospitais das Misericórdias e os médicos dos partidos municipais.

A preocupação com a saúde dos desfavorecidos nasceu na Roma antiga. Entre nós, deu origem a um movimento que atravessou a Monarquia Absolutista, a Monarquia Constitucional, a Primeira República, a Ditadura e a nossa segunda República. Segundo Ribeiro Sanches, que foi médico municipal em Benavente pelos 24 anos de idade, “foi no tempo del Rei D. Manuel (reinou entre 1495 e 1521) que se fundaram as Misericórdias com Hospitais… … e me parece que desde aquele tempo se estabeleceram os partidos das câmaras.

É costume atribuir ao Doutor António Arnaut a criação do Serviço Nacional de Saúde. Presto-lhe a merecida homenagem, mas seria injusto ignorar as figuras que o precederam.

Sou testemunha desse processo. Juntamente com três centenas de colegas, entrei para o Internato Geral dos Hospitais no dia 1 de abril de 1969.  Pus assim termo a mais de meio ano de desemprego. Antes do 25 de Abril, trabalhei como médico em Postos da Caixa de Previdência. Os cuidados prestados eram já gratuitos e quase universais.

Mesmo no antigo regime, houve  homens de valor  que procuraram  reformar o sistema por dentro. Será bom não esquecer os nomes de Lopo Cancela de Abreu, Baltazar Rebelo de Sousa e Francisco  Gonçalves Ferreira. Os dois primeiros foram ministros da Saúde e Assistência de Marcello Caetano e Gonçalves Ferreira foi Secretário de Estado de Baltazar Rebelo de Sousa.  

Com algum atraso, o poder político  deu seguimento ao notável  “Relatório das Carreiras Médicas” , apresentado em 1961, por um grupo de médicos ilustres encabeçado por Miller Guerra. 


Tive o prazer e a honra de conhecer três dos subscritores do relatório: Alves Pereira, Ramos Dias e António Galhordas , médicos dos Hospitais Civis de Lisboa. O documento realçava o facto lamentável de haver em Portugal médicos sem emprego e doentes sem assistência.

O decreto-lei 48879, de 22/2/69 instituiu nos hospitais centrais o Internato Médico generalizado. O aproveitamento no primeiro ano do internato geral remunerado passava a ser necessário para a atribuição da licenciatura em Medicina.

O Regulamento do Internato Médico foi estabelecido pela portaria 240/70 .

Lembro que os partidos médicos apenas foram extintos de abril de 1984.  

Os anos já me pesam, mas gostaria que este tipo de iniciativa tivesse seguimento e que a SOPEAM prosseguisse na organização de trabalhos coletivos que homenageassem os Médicos que enriqueceram a literatura portuguesa. São muitos e ilustres. Não sei se os médicos dos outros países se poderão orgulhar de ter tantos e tão bons. Sem pretender ser exaustivo, lembro nomes que me ocorrem: Júlio Dinis, Fialho de Almeida, Júlio Dantas, Jaime Cortesão, Graça Pina de Morais, Miguel Torga e, mais recentemente, António Lobo Antunes. Estarei a pecar por omissão. Ficaria bem à nossa Ordem continuar a apoiar estes projetos.

Procurarei, ao longo das próximas semanas divulgar neste espaço as contribuições dos diversos autores.