RECORDANDO BORGES D` ALMEIDA
A
Revista da Ordem dos Médicos de novembro de 2012 traz um artigo da autoria do dr.
Santos Bessa, dirigido à memória do dr. Borges d` Almeida. Faleceu há um ano.
Registo aqui a minha homenagem.
Quando
eu era interno de Neurocirurgia, ocorreu uma modificação na organização das equipas
de urgência do Hospital de S. José e houve que escolher alguém para rodar semanalmente
com ele. O dr. Borges d` Almeida, a quem médicos e enfermeiros conheciam por “Pipi”
Borges, tinha uma fama péssima. Não se apresentaram voluntários. Procedeu-se a
um sorteio e calhou-me a bola preta.
Trabalhar
com o “Pipi” Borges revelou-se uma surpresa agradável. Borges de Almeida era
inteligente, gentil e cultivava um sentido de humor ácido mas original. Acompanhava
as atividades diversificadas da maior Urgência de Lisboa com um interesse em
que se misturavam o sentido de responsabilidade, o saber, a experiência e a
curiosidade. Tal como os outros chefes de equipa, era acompanhado, nas visitas
sistemáticas, pela totalidade do “staff” médico disponível.
Em
tempos em que a contabilidade tomou conta da saúde, imagino o horror dos
burocratas a pensar que os atos médicos eram partilhados por um bando de trinta
clínicos de saberes e especialidades diversas.
Numa
altura em que muitos cirurgiões gostavam de se identificar com a imagem de
garanhão, o “Pipi” Borges proclamava:
─
Dizem que todas as mulheres são iguais. Assim, não vejo razão para trair a
minha…
Ocasionalmente,
falava-se de dívidas e de pagamentos. Borges de Almeida pontificava:
─
Entrei, pelo casamento, para uma família de banqueiros. Nunca vi nenhum com
pressa de pagar as suas contas…
Naquele
tempo, eu era conotado com a Esquerda política. Uma vez por outra, o “Pipi”
Borges lançava-me farpas a que eu respondia com respeito e com firmeza. O meu
chefe de Banco não se aborrecia. Agradava-lhe a controvérsia.
No
dia 26 ou 27 de outubro de 1975 estive de urgência com ele. As forças alinhadas
à direita do Partido Comunista tinham acabado de tomar o Poder em Portugal. Mal
me avistou ao fundo do corredor, o “Pipi” Borges fez luzir a dentadura num
sorriso alegre.
─
Então, doutor Trabulo, a reação “passarou”?
Não
sei o que lhe respondi. O homem tinha graça.
Hoje,
recordo-o com saudade. Borges d` Almeida foi um dos expoentes duma das últimas
gerações de grandes cirurgiões de Banco de S. José, ao estilo do “grand patron” francês.
Nota: Não dispondo de
fotografias do dr. Borges de Almeida, reproduzo aqui a que acompanha o artigo
do dr. Santos Bessa.
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