OS PRIMEIROS HOSPITAIS
DE SETÚBAL
Hospital significava originalmente casa de hóspedes. De modo geral, ao longo da Idade Média, eram unidades de dimensões reduzidas que albergavam pobres, peregrinos e doentes e
se situavam muitas vezes na vizinhança dos templos. Alguns eram geridos pela
Igreja. Outros pertenciam a irmandades. Uns tantos resultavam da iniciativa de
pessoas singulares. Eram sustentados pelos rendimentos de doações e heranças de
fiéis que esperavam ser ressarcidos por Deus, no outro mundo.
Existiram, em Setúbal, diversas confrarias ou
irmandades. As confrarias do Corpo Santo, de Santa Maria da Anunciada e do
Espírito Santo possuíam estabelecimentos assistenciais que alojavam pobres.
Tanto o
Hospital da Anunciada como o do Espírito Santo datam de 1372. Sabe-se pouco
sobre o Hospital da Anunciada, que terá exercido importantes funções
assistenciais. Por se situar fora de muralhas, escapou à integração na
Misericórdia de Setúbal, levada a cabo em 1501.
O Hospital do Espírito Santo localizou-se inicialmente
na Rua Direita do Troino e foi transferido, em 1494, ou antes, para a Praça do
Pelourinho (julgo que seria a Praça da Ribeira). Na visitação pastoral de 1510
foi descrito como “uma casa sobradada, com quatro janelas de assento muito
grandes e paredes muito boas de pedra e cal; a casa é toda forrada de castanho
e tem duas portas com suas grades de ferro sobre o tavoleiro de entrada”.
Dispunha de dez camas com roupa.
O Corpo Santo era uma associação de mareantes e pescadores.
Possuía, pelo menos desde 1415, um hospital que tinha por missão recolher
marinheiros e pescadores acidentados no mar. Em 1510, quando da visitação de D.
Jorge a Setúbal, o Hospital do Corpo Santo possuía “seis camas e mais uma para
doentes; e estava tudo muito limpo e concertado”.
Edifício do Antigo Hospital do Corpo Santo
Existiram outros estabelecimentos de assistência, dos
quais chegaram até nós informações limitadas. Um dos mais antigos seria a
Albergaria da Horta do Rio, que, segundo Manuel Maria Portela se situava
extramuros, na estrada de S. João, perto da gafaria.
A gafaria de Nossa Senhora da Saúde data provavelmente
do século XIII ou XIV. Resta dela uma pedra de padieira com um escudete e com
uma inscrição legível: vanitas, vanitatum et omnia vanitas (vaidade das
vaidades, tudo é vaidade). Já não funcionaria em 1504, pois nessa data a
gafaria de S. Lázaro de Cacilhas tinha por função alojar todos os leprosos de
Almada, Sesimbra, Setúbal, Azeitão e Palmela.
Arcos do Hospital de João Palmeiro
O hospital de João Palmeiro já existia em 1363. Restam
dele três arcos ogivais que confrontam com a Igreja de Nossas Senhora da Graça.
O vocábulo “palmeiro” aplicava-se aos peregrinos. É de supor que o fundador
fosse romeiro ou que o hospital se destinasse a apoiar os peregrinos. Diz-se que é a
edificação mais antiga de Setúbal. No começo do século XX o espaço foi
aproveitado para uma fundição e, mais tarde, para uma oficina de reparação de automóveis.
O hospital de Maria Pipa ou de Maria da Pipa situava-se
na Praça do Sapal, próximo da igreja de S. Julião. Foi fundado no século XV, ou antes, por
Catarina Martins, azeiteira, e dispunha de duas casas térreas, servindo uma de
alojamento para a hospitaleira e a outra, com cinco camas, para os pobres. Maria Pipa, que teria sido a sua quarta
administradora, não fez grande trabalho. Foi exonerada das suas funções em
1472.
A ermida de S. Brás, que poderá ter estado relacionada
com a peste de 1482, localizava-se, segundo Rodrigo Marques e Manuel Marques,
no sopé da Fortaleza de S. Filipe. Ruiu em 1940. Existe, pelo menos, uma
fotografia dela. Era num edifício encostado a essa capela que se fazia a
quarentena dos tripulantes dos navios que se dirigiam ao porto de Setúbal
quando o “intérprete de saúde” suspeitava que fossem portadores de doenças
contagiosas.
Existiam ainda várias capelas que a carência de
informação não permite ligar a tarefas assistenciais.
Será interessante
descrever o ambiente de um hospital no final da Idade Média. Socorremo-nos para
isso da descrição feita por Rodrigues Marques e Manuel Marques.
“A sala da enfermaria tinha as camas alinhadas
ao longo das paredes e separadas por cortinados umas das outras. Era comum
deitar dois doentes na mesma cama.
O doente era levado para o hospital
numa liteira ou catre. Depois de lavado e de mudar de roupa e antes de ser instalado
na enfermaria, era recebido pelo capelão.
O dia começava com a missa, celebrada
no altar colocado na parede de fundo da sala. Corriam-se as cortinas, para que
os doentes pudessem ver o celebrante.
Seguia-se a primeira refeição, servida
em tigelas de pau. As colheres eram também de pau e os copos de barro. Não
havia preocupação com dietas, pois interessava que os doentes se alimentassem
bem.
Os tratamentos consistiam na aplicação
de drogas de origem vegetal, preparadas na própria botica, ou adquiridas fora.
Incluíam unguentos, cera, essência de terebintina e tisanas. Praticavam-se
banhos e fumigações, cautérios, sangrias e clisteres e aplicavam-se “bichas” (sanguessugas).
As longas horas em que nada sucedia
eram preenchidas por salmos cantados pelos frades ou freiras.
Os
médicos, que só muito mais tarde começaram a prestar serviço permanente nos
hospitais, iam lá apenas quando eram chamados”.
No final do século XV teve início, em Portugal, um
processo de fusão e concentração dos inúmeros hospitais pequenos e dispersos. A
Coroa procurava assumir o controlo dos estabelecimentos hospitalares
administrados pela Igreja e pelas confrarias. Em 1479, mesmo antes de subir ao
trono, D. João II obteve autorização papal para fundir os hospitais de Lisboa. Vinte
anos mais tarde, a autorização alargou-se a todos os hospitais do Reino.
Cerca de 1489, foi criada a confraria da Misericórdia
de Setúbal. Teria, no ano seguinte, o diploma régio de confirmação.
A 13 de setembro de 1501, o mordomo da irmandade do
Espírito Santo recebeu do provedor régio dos estabelecimentos assistenciais do
almoxarifado de Setúbal ordem para anexar todos os outros hospitais existentes
na vila. A ordem foi cumprida, com duas exceções: o hospital de João Palmeiro
continuou a ser governado pela confraria do Corpo Santo, pelo menos até 1511, e
a confraria da Anunciada, situada fora de muros, prosseguiu as suas
funções assistenciais até depois de 1567.
BIBLIOGRAFIA
Drumond
Braga, Paulo. Setúbal Medieval (séculos XIII a XV). Câmara Municipal de Setúbal,
1998.
Marques, Rodrigues
e Marques, Manuel. Subsídios para a História dos Hospitais de Setúbal, 1984.
Quintas,
Maria da Conceição (coordenadora). Monografia de S. Julião. Junta de Freguesia
de S. Julião, Setúbal, 1993.
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