LIÇÕES DA HISTÓRIA
Ando a melhorar o texto de uma palestra que proferi há cerca de ano e meio na Biblioteca da Ordem dos Médicos, em Lisboa, por ocasião do centenário da Gripe Pneumónica. A intenção é publicá-la, integrada num conjunto de trabalhos sobre História da Medicina que a Doutora Maria do Sameiro Barroso está a organizar.
Como tinha de ser, ocupei-me a rever a bibliografia.
Ontem, voltei a ler o artigo “Revisitar a pneumónica de 1918-1919”, publicado em 2018 por Laurinda Abreu e José Vicente Simões. Dada a relevância do conteúdo, cito aqui uma pequena parte, com a devida vénia aos autores.
Durante a Pneumónica, Portugal terá registado uma das maiores taxas de mortalidade na Europa (entre 9,8 e 22 por 1000 habitantes, consoante as diferentes estimativas), sendo este um dos indicadores que, obviamente, deve suscitar mais reflexão. A figura central do combate à epidemia de 1918 em Portugal foi, como bem se sabe, o diretor-geral de Saúde, Ricardo Jorge. Sendo conhecido o seu pensamento, não seria expectável que defendesse o encerramento das fronteiras e a instalação de lazaretos para organização de quarentenas. Tal como já tinha acontecido aquando do surto de peste que atingiu o Porto em 1899, Ricardo Jorge optou pelo isolamento dos doentes e por recomendações higiénicas e dietéticas. A questão fulcral é perceber porque terá sido tão grande o desaire demográfico português quando comparado com outros países que aplicaram disposições similares.
Quando se compara a reação
governamental à crise de 1918 com a atuação perante as epidemias de cólera de
1884 e 1885, que fizeram pesadas baixas em Espanha e noutros países europeus e
deixaram praticamente incólume Portugal, verifica-se uma mudança substancial de
estratégia política. No primeiro caso, o governo de Fontes Pereira de Melo,
ciente da debilidade do país e das suas próprias limitações em termos de saúde
pública, agiu por antecipação e impôs um rígido controlo das fronteiras,
marítimas e terrestres, e da mobilidade de pessoas e mercadorias, substituindo
o saber médico pelo poder das armas dos militares. Em 1918, diferentemente,
Portugal colocou-se ao lado dos países tidos como mais desenvolvidos e, como
eles, procurou agir em função dos mais recentes conhecimentos médicos e
preceitos higienistas – uma opção de política de saúde pública que, a avaliar
pelos resultados, não foi porventura a mais adequada às circunstâncias do país.
É
assombroso constatar o modo como, por vezes, a História se repete e o seu
conhecimento nos dá lições preciosas. Atravessamos dias negros, com algumas das
piores taxas de morbilidade e mortalidade da Europa e mesmo do mundo. A
resposta do governo português à pandemia de COVID 19 terá de ser bem menos
tíbia. Já morreu gente demais.
Etiquetas: Confinamento, Contenção
da pandemia, COVID 19, Fontes
Pereira de Melo., Gripe
Pneumónica, Ricardo Jorge
Sem comentários:
Enviar um comentário