Nos primeiros anos da década de 70, um grupo de ilustres neurocirurgiões europeus agrupados na E.A.N.S. (Associação Europeia de Sociedades Neurocirúrgicas) animou um projecto de ensino pós-graduado que ajudaria a alargar as relações internacionais no âmbito da Especialidade. O primeiro Curso da E.A.N.S. efectuou-se em Bruxelas, em 1974.
A iniciativa não se limitava ao velho continente. Participaram, logo de início, neurocirurgiões em formação provenientes de alguns países do Magrebe e, pouco tempo depois, também de Israel. Recorde-se que, em 1974, a União Europeia se chamava Comunidade Económica Europeia e contava apenas com nove países membros. Destes, o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca tinham aderido no ano anterior. Pretendia-se, a nível científico, preceder o alargamento político no espaço europeu. A Neurocirurgia deu o contributo que estava ao seu alcance e impulsionou a modernização da Especialidade em diversos países periféricos, como o nosso. Ainda no tempo da chamada “cortina de ferro”, em 1976, foi possível realizar o terceiro curso na cidade universitária húngara de Pecs.
O francês Bernard Pertuiset, o inglês R. T. Johnson, o alemão Hans Pia e o belga Jean Brihaye constituíram o núcleo duro que impulsionou a iniciativa.
O projecto foi pensado de forma realista. Assentou em cursos intensivos anuais com uma semana de duração. Para reduzir os custos, utilizaram-se as instalações universitárias onde os docentes trabalhavam. Os internos eram geralmente alojados em residências de estudantes, por altura das férias. O preço das inscrições era acessível.
Manchester, 1978. Reconhecem-se, na primeira fila, Brihaye, Johnson, Pertuiset, Pia e Isamat.
Com alguma heterogeneidade e um ou outro caso de flagrante improviso, as aulas eram bem preparadas. Contaram com a participação interessada e gratuita de muitos dos melhores neurocirurgiões europeus. Alguns deles aliavam ao saber excelente capacidade de comunicação. Os cursos perduram até hoje.
O meu primeiro Director de Serviço, António Vasconcelos Marques, conhecido por ter operado Oliveira Salazar, ficou para a História devido à criação, em Lisboa, de uma unidade pioneira de tratamento de traumatizados crânio-encefálicos. Dava-se melhor com a “alta roda” da Neurocirurgia mundial do que com alguns Colegas portugueses e foi orador em vários dos primeiros cursos.
Vasconcelos Marques, senhor de uma personalidade vincada, viveu a vida de uma forma muito pessoal. Começava a trabalhar depois do almoço e arrastava a sua actividade pela noite dentro. De manhã, que era quando, naquele tempo, os médicos portugueses se ocupavam nos hospitais públicos, dormia. Teve muitos amigos e inimigos. Pessoalmente, recordo-o com saudade.
Por influência dele, foram internos e jovens especialistas do Serviço de Neurocirurgia dos Hospitais Civis de Lisboa que constituíram o primeiro grupo português a frequentar os cursos europeus da Especialidade.
Bruxelas, 1974
As aulas começavam de manhã cedo, geralmente às 8.00 horas. Vasconcelos Marques era pontualíssimo. Dormia olimpicamente na primeira fila da assistência. Quando o orador se calava, abria os olhos e fazia uma pergunta pertinente. Vemo-lo nesta fotografia ao lado de Johnson e do nosso grupo inicial: eu, o Magro Jacinto, o Carlos Maurício e o Costa Oliveira, que já nos deixou. Falta aqui o Oliveira Antunes. Estará sentado lá para trás.
Anos mais tarde, quando o Maurício foi Presidente da Sociedade Portuguesa de Neurocirurgia e me nomeou Coordenador da Comissão de Ensino, reunimos um grupo valioso de colaboradores e demos início aos cursos anuais da Sociedade Portuguesa de Neurocirurgia. Seguiram inicialmente o modelo europeu e atingiram um nível científico interessante. Começaram em 1996 e ainda continuam. Colaborei na organização dos quatro primeiros. O próximo (XV) realiza-se em Outubro, em Montargil.
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