MEDICINA EM MACAU
VII
DOMINGOS DE QUADROS
UM CIRURGIÃO COM SORTE
Em 1640, quatro meses antes da Restauração portuguesa, Macau enviou ao Japão uma
embaixada que pretendia persuadir o “Rei” a reatar as relações
comerciais interrompidas há décadas.
Tinham passado 43 anos sob
o martírio de 26 cristãos em Nagasaki. Em 1597, Hideyoshi, que prosseguira o
esforço de unificação política do Japão iniciado pelo senhor feudal Nobunaga
condenara à morte seis missionários franciscanos, três jesuítas e dezasseis
laicos, incluindo três crianças. A execução pública teve lugar numa colina
situada nos arredores de Nagasáqui. Antes de serem mortos à lançada, os
cristãos foram crucificados.
A violência teve raízes políticas.
Tratou-se duma viragem enquadrada no processo de unificação da nação japonesa.
É difícil não fazer comparações com a evolução registada em Espanha um século mais cedo, quando os judeus foram expulsos do reino.
Tinham decorrido quase
cinquenta anos desde que Francisco Xavier, Cosme de Torres e Juan Fernández haviam
chegado a Kagoshima com o projeto de evangelizar o Japão.
De começo, o shogunato apoiara
os católicos, que eram úteis para contrabalançar o poder dos monges budistas e
facilitavam as relações comerciais com Portugal e Espanha.
Os dirigentes japoneses sabiam,
contudo, que as Filipinas tinham sido colonizadas depois de a sua população se
converter ao catolicismo. A dada altura, a região católica passou a ser
considerada uma ameaça ao poder central. Foi proibida e os seus fiéis foram
sujeitos a perseguições que culminaram na execução pública de Nagasáqui. O cristianismo foi proscrito.
Sou levado a crer que, nas
quatro dezenas de anos volvidas sobre o martírio, terá havido de parte das
autoridades japonesas sinais de apaziguamento. Não se compreenderia, de outro
modo, apesar do evidente interesse comercial, que a cidade de Macau se
arriscasse a enviar ao Japão uma embaixada.
A 22 de junho de 1640,
partiram de Macau, num chô (junco do alto mar) 74 pessoas. Regressariam 13, a
20 de setembro. As outras 61 foram degoladas em Nagasáqui.
As autoridades japonesas
recusaram receber a embaixada. A embarcação em que os de Macau tinham viajado
foi queimada com tudo o que tinha dentro. A 3 de agosto, a maioria dos
portugueses foi decapitada, juntamente com os seus servidores. Antes, tinham
sido postos de lado, para voltarem a Macau e contarem o que tinham visto, o piloto,
o contramestre (cabeça dos marinheiros)
o escrivão do navio, o jovem cirurgião e nove marinheiros tirados à sorte. Os
que escaparam à morte foram chamados para verem as cabeças dos executados.
Deram-lhes uma soma (pequeno navio) no qual embarcaram a 1 de setembro.
O “surgião” Domingos de
Quadros era filho de Macau e ali casado. Tinha 22 anos, na altura da viagem.
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