Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

quarta-feira, 2 de abril de 2014


                 MEDICINA EM MACAU

                             VIII

             SUN YAT SEN




Escrevi aqui anteriormente sobre Sun Yat Sen. Volto a fazê-lo, no termo desta pequena série de artigos.
O “pai” da República chinesa nasceu a 12 de novembro de 1866 em Choy Heng, na província de Cantão, cerca de 30 milhas a norte de Macau. O seu pai trabalhou em Macau antes do nascimento do filho. Segundo Manuel Teixeira, foi alfaiate. Outras fontes dão-lhe a profissão de sapateiro.
Quando fez 13 anos, Sun Yat partiu para Honolulu, no Hawai, onde trabalhava o seu irmão mais velho, Sun Mei. Estudou ali durante três anos e regressou depois a Choy Heng, onde passaria pouco tempo. Em 1883 mudou-se para Hong Kong onde prosseguiria os seus estudos, protegido por uma igreja protestante. Foi mesmo batizado. Iniciou o curso de Medicina em Cantão e prosseguiu-o em Hong Kong. Licenciou-se em 1892. Nesse mesmo ano, foi trabalhar para Macau, no Hospital Keng-Wu, como médico voluntário.
Foi na cidade portuguesa que Sun Yat Sen deu início à sua ação revolucionária. 
      Cabe-nos, porém, falar do médico.
O Dr. Sun viveu no prédio nº 14 do Largo do Senado. A casa já não existe. Foi arrasada para dar espaço ao edifício dos Correios.
Quando deu os primeiros passos na profissão, os chineses mostravam ainda grande relutância em aceitar os médicos europeus. O Hospital Keng-Wu tratava mais doentes que os Hospitais de S. Rafael e S. Januário juntos.
Formado aos 26 anos, na Faculdade de Medicina de Hong Kong para chineses, Sun Yat Sen contribuiu para introduzir a medicina europeia no Hospital Keng-Wu onde, até essa data, os médicos trabalhavam segundo a tradição chinesa. Praticou também cirurgia, ajudado muitas vezes pelo seu antigo professor do Medical College de Hong Kong, Dr. James Cantlie, que se deslocava a Macau propositadamente para o apoiar.


   O Dr. Sun montou consultório na Rua das Estalagens. O prédio onde trabalhou foi, até há poucos anos, ocupado pela loja de sedas “U Tip P´at T´au”. De dia, tratava doentes. À noite, conspirava contra a dinastia manchu.
    Uma nota curiosa, transcrita pelo Padre Manuel Teixeira, respeita à cobrança de honorários. No começo de 1894, Sun Yat Sen contratou o advogado António Joaquim Basto para cobrar a dívida duma família chinesa conhecida. A conta era de 100$ (ao sei se o sinal $ se refere a dólares ou a patacas), acrescida de 25$ para pagar os serviços do jurista. A dívida foi liquidada. 
Segundo o Dr. Cantlie, Sun teve de deixar Macau por não possuir um diploma português para o exercício da Medicina. Mudou-se para Cantão. O testemunho provoca-me alguma estranheza, pois é duvidoso que boa parte dos médicos que praticavam em Macau medicina chinesa fosse tão bem controlada. Seria a política que o chamava. Antes, tornara-se impopular entre os seus colegas e a administração do Hospital Keng-Wu: o seu sucesso clínico aumentara substancialmente o número de doentes que procuravam o hospital, com o consequente incremento das despesas.
O hospital chinês tinha sido fundado em 1871. Mais do que hospital, era uma organização de beneficência sustentada pelos chineses ricos de Macau. Para além de proporcionar consultas, internamento e remédios, a fundação recolhia cadáveres e dava-lhes sepultura gratuita, reparava as ruas da cidade, socorria os sinistrados, sustentava escolas e resolvia querelas entre o povo. Vendia também arroz a preço baixo à gente carenciada.
Antes de partir, o Dr. Sun pediu ao hospital Keng-Wu um empréstimo de 2.000 patacas para montar uma farmácia sino-europeia na rua onde estabelecera o consultório. Seria pago anos mais tarde.
                 Mansão evocativa de Sun Yat Sen em Macau

De modo geral, Sun Yat Sen era acarinhado pela comunidade chinesa e bem aceite pelos portugueses. Relacionou-se com o macaense Francisco Hermenegildo Fernandes, que trabalhava na Imprensa, ainda na época em que estudava em Hong Kong.
O seu primeiro grande ensaio político - Carta a Zheng Zaoru - foi publicado num jornal de Macau em 1890.
Após a morte de Sun Yat Sen, a sua viúva Cheng Ling Soong, cunhada de Chiang Kai Chek, veio para Macau e viveu na Rua de Silva Mendes, até falecer em 1952, com a idade de 88 anos.

Fonte: Padre Manuel Teixeira, A Medicina em Macau. Governo de Macau, 1998.
          Fotografias: Internet.

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