PORCOS,
RELIGIÃO E SAÚDE
Entre os animais de que
nos alimentamos, o porco é o que apresenta melhor índice de aproveitamento da
energia. É capaz de converter em proteínas 35 por cento do conteúdo dos
vegetais ingeridos, enquanto a vaca não vai além dos 6,5 por cento. A sua
velocidade de reprodução é muito superior à do gado bovino. Ainda assim, o seu
consumo foi proscrito tanto pela Bíblia como pelo Corão. O animal era
considerado “sujo” e “impuro”.
Maimonides, médico da
corte do imperador Saladino, no Egito, manifestou por escrito, no sec. XII, o
seu desprezo pelos porcos e pelos cristãos que os comiam.
Habituei-me, há muito, a
associar as interdições alimentares religiosos a regras de saúde pública. Poderei
estar enganado. As ovelhas, as cabras e até as vacas, transmitem a brucelose e
não foram amaldiçoados pela Bíblia nem pelo Corão. Por outro lado, a associação
do consumo de carne de porco mal cozinhada à triquinose foi estabelecida apenas
em 1859. Malpighi constatara, já em 1697, que o agente da cisticercose era um
verme. Contudo, foi somente em 1885 que Kuchenmeister demonstrou que o
cisticerco originava o verme adulto do homem.
É possível que uma ligação empírica entre a
alimentação com carne de porco e algumas doenças tivesse sido mais ou menos
estabelecida entre os povos que habitavam o Médio Oriente.
Um curioso estudo de Marvin
Harris aponta noutras direções. Harris propõe uma explicação de base ecológica
para o tabu.
Estariam em causa os ecossistemas e a desflorestação e, em particular, a extraordinária capacidade dos ruminantes para digerirem celulose. Os ruminantes não competem com os humanos por comida. Pelo contrário, aumentam a produtividade agrícola ao produzirem estrume e ao serem utilizados como animais de tração.
Estariam em causa os ecossistemas e a desflorestação e, em particular, a extraordinária capacidade dos ruminantes para digerirem celulose. Os ruminantes não competem com os humanos por comida. Pelo contrário, aumentam a produtividade agrícola ao produzirem estrume e ao serem utilizados como animais de tração.
Os porcos
são omnívoros, tal como nós. Quando podem, ingerem os vegetais pobres em
celulose de nos alimentamos.
Por outro lado, os porcos
estão geneticamente mal preparados para se adaptarem a climas quentes. Não
dispõem de glândulas sudoríparas e chafurdam na lama para se refrescarem. Harris
atribui à desflorestação o declínio da produção de suínos. Os pastores das
regiões áridas, como os judeus antigos, não criavam porcos. O cálculo grosseiro da relação custo/benefício estará na origem da baixa reputação dos suínos no
Médio Oriente. Durante longos períodos, os egípcios, os fenícios e os
babilónios puseram de lado a pecuária porcina.
As leis alimentares do Levítico
e do Corão traduziriam a codificação de preconceitos tradicionais.
Curiosamente, na Europa da
Idade Média, o porco é apresentado como indutor de saúde. Embora os unguentos
de banha de porco fossem de eficácia discutível no tratamento do ergotismo, o
consumo de carne de porco permitiria diminuir a ingestão de pão de centeio
infestado pela cravagem. Chamavam-lhe também o Fogo de Santo Antão.
Antão era um eremita
egípcio do século III, considerado o fundador da vida monástica. Foi muito
popular na Idade Média, sendo visto como protetor contra o Fogo de Santo Antão,
ou ergotismo, doença provocada pela cravagem do centeio.
O ergotismo desencadeia
perturbações mentais, sensações de queimadura e grangrena isquémica das
extremidades, com perdas frequentes de membros.
O santo é muitas vezes
representado na companhia de um porco. Comer mais carne e menos pão diminuía a
probabilidade de contrair a doença.
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