DIA 1 DE ABRIL DE 1969
Contam-se
hoje 47 anos sobre a minha entrada para o Internato Médico. Aconteceu nos
Hospitais da Universidade de Coimbra no dia 1 de abril de 1969. Em todo o país,
no mesmo dia, iniciaram a carreira médica mais de três centenas de novos
internos.
Pertenci ao último curso que teve de cumprir
um estágio obrigatório e não pago. A seguir, estive desempregado durante oito
meses. Havia, ao tempo, centenas de colegas na minha situação.
A constituição
do Serviço Nacional de Saúde ocorreu apenas dez anos mais tarde, culminando, de
forma brilhante, um longo processo evolutivo que atravessou os regimes
autoritário e democrático.
Com
a Lei 56/79, elaborada por António Arnaut, ministro dos Assuntos Sociais do
governo de Mário Soares, os portugueses passaram a dispor de um serviço de
saúde universal e gratuito que incluía a promoção da saúde, a prevenção da
doença, o diagnóstico, o tratamento das doenças e a reabilitação. O Estado integrou uma rede de mais de 200 hospitais (um número significativo dos quais era privado)
e apropriou-se da rede de prestação de cuidados ambulatórios pertencente à
Federação das Caixas de Previdência e administrada pelos Serviços Médicos
Sociais.
O
Serviço Nacional de Saúde não nasceu de repente e já com barba. No processo que conduziu à sua criação merecem ser destacados três marcos: O Relatório das
Carreiras Médicas, o decreto-lei 48879, de 22 de fevereiro de 1969, que
instituiu nos hospitais centrais portugueses o Internato Médico e o Regulamento
do Internato Médico, que se lhe seguiu e foi estabelecido pela portaria 240/70,
de 14 de maio de 1970.
Miller Guerra
Em
1961, uma comissão constituída por Miller Guerra, Cid dos Santos, Celestino da
Costa, Alves Pereira, António Galhordas e Ramos Dias, publicou as conclusões do
seu estudo. Era o Relatório das Carreiras Médicas que, apesar de não ter
consequências práticas imediatas, passava a constituir um documento fundamental
para o desenvolvimento da profissão médica em Portugal. Nascia a ideia de um
Serviço Nacional de Saúde.
Tive
a oportunidade e a honra de conhecer os três últimos subscritores desta lista, de ordenação aleatória.
O
seu principal relator, o neurologista Miller Guerra resumiu a situação
paradoxal vivida por médicos e doentes: havia médicos desocupados e doentes sem
assistência. Os médicos recém-formados não tinham trabalho nos hospitais nem na
clínica livre. O ingresso ao internato era limitado. Para ser Médico
Especialista era, em muitos casos, necessário dispor de condições económicas
suficientes para viver durante vários anos sem remuneração, prestando trabalho
voluntário em troca do acesso aos conhecimentos científicos indispensáveis. No
lado de fora da bata, a situação era dramática: as camadas sociais
desfavorecidas, que constituíam a maioria da população de Portugal, tinham
acesso difícil e irregular aos cuidados de saúde.
Lopo Cancela de Abreu
Lopo Cancela de Abreu
O
decreto-lei 48879, de 22 de fevereiro de 1969, instituiu nos hospitais centrais
portugueses o Internato Médico generalizado. O aproveitamento no primeiro ano
do internato geral, remunerado, passava a ser necessário para a atribuição do
grau de licenciado em Medicina.
Este
documento lapidar criou as condições para que os hospitais estatais portugueses
viessem a dispor do número de médicos necessários para a garantia de cuidados
de saúde a quase toda a população portuguesa. Sem internato nacional não
poderia haver Serviço Nacional de Saúde.
Baltazar Rebelo de Sousa
Baltazar Rebelo de Sousa
O
Regulamento do Internado Médico, que se lhe seguiu, foi estabelecido pela
portaria 240/70, de 14 de maio de 1970.
Na
“longa noite fascista” houve sempre candeias acesas. O maniqueísmo político
tende a fazer esquecer grandes vultos que procuraram modificar o regime por
dentro, numa perspetiva reformista, e que alcançaram resultados importantes
para o país durante a chamada “primavera marcelista”.
Francisco Gonçalves Ferreira
Francisco Gonçalves Ferreira
Os
portugueses, e os seus médicos em especial, devem muito a Lopo Cancella de
Abreu, Baltasar Rebelo de Sousa e Francisco Gonçalves Ferreira. Os dois
primeiros foram ministros da Saúde e Assistência de Marcello Caetano. Gonçalves
Ferreira foi Secretário de Estado da Saúde e Assistência, quando Baltasar
Rebelo de Sousa era ministro.
Sem comentários:
Enviar um comentário