OS PRIMÓRDIOS DA ANESTESIA
Sou
neurocirurgião e interesso-me por História da Medicina. Será fácil entender a
minha curiosidade pela História da Anestesia. As publicações recentes de Figueiredo
Lima suscitaram-me algumas reflexões breves.
Há cerca de
ano e meio, falei neste blogue de Hua Tuo (ou Wá Tó), o "divino
cirurgião", alegadamente o primeiro médico da China e do mundo a recorrer
à anestesia. Julga-se que a sua fórmula anestésica, denominada “Mafei san”,
associava aguardente de arroz a um preparado de ervas que, traduzido à letra,
significava “pó de cannabis cozido”.
Tratou-se de
uma personagem real que viveu no segundo século antes da era cristã.
É venerado
como uma divindade, nos templos taoistas. Quando davam com um médico
extraordinário, diziam os chineses que era Hua Tuo reincarnado.
Hua Tuo terá
sido o primeiro cirurgião a realizar uma intervenção cirúrgica sob anestesia,
1600 anos antes da introdução da anestesia nos Estados Unidos da América. Ajudado por esta técnica,
terá realizado laparotomias e resseções intestinais. Poderá ter operado com
sucesso uma apendicite aguda.
A lenda diz
que foi executado, já em avançada idade, por volta de 207, por um nobre
descontente com o seu pouco interesse em tratá-lo. Há também quem sugira que o
poderoso Cao Cao, que se sentou num dos três tronos que resultaram do
desmembramento do império Han, suspeitou de uma tentativa de assassinato quando
Hua Tuo lhe sugeriu uma trepanação craniana para tratar as suas severas
enxaquecas. Tanto quanto sei, é a primeira vez na História da
Medicina que a trepanação aparece associada ao nome do cirurgião que a
praticou. A operação foi aprovada por Hipócrates para o tratamento de feridas
cranianas, mas não há indícios de que o médico de Cós a tenha praticado
pessoalmente.
Os trabalhos
do cirurgião chinês perderam-se. Da sua obra resta apenas um método de castração
de patos. A tradição adicionou à sua obra uma série de pontos
novos para acupuntura e a invenção de suturas, de unguentos anti-inflamatórios
e de remédios para a ascaridíase.
A anestesia demoraria
muitos séculos a ser reinventada e a cirurgia chinesa regrediu
consideravelmente.
Ao longo dos séculos,
repetiram-se as tentativas para aliviar as dores durante os procedimentos
cirúrgicos.
Caio Plínio
Segundo, ou o Velho, que viveu entre cerca de 23 e 79 da era cristã, recomendou
a utilização de Mandragora officinalis para analgesia de traumatismos e para
cirurgias.
Lúcio Apuleyo
(125-170), com nome latino mas originário da Argélia, aconselhou o uso da
Mandrágora para provocar o sono e induzir analgesia suficiente para ser possível
amputar um membro sem que o paciente sofresse dor.
Galeno
utilizou o ópio como analgésico.
Os antigos
médicos árabes recorriam a diversas plantas para reduzir a dor durante a
cirurgia. Utilizavam o ópio, a beladona, a mandrágora, o beleno, a cicuta e o
haxixe. As formas de administração eram duas: a ingestão de sementes da
papoila-dormideira e a aplicação de “esponjas soporíficas”.
Mais tarde, em Salerno e em Bolonha, a Scopolia carniolica foi utilizada em Medicina, também sob a forma de "esponja soporífica".
A partir de 1938, recorreu-se ao hipnotismo para combater a dor durante intervenções cirúrgicas.
Foi preciso esperar até 1846 para que o dentista americano William Morton levasse a cabo a primeira anestesia com éter.
Mais tarde, em Salerno e em Bolonha, a Scopolia carniolica foi utilizada em Medicina, também sob a forma de "esponja soporífica".
A partir de 1938, recorreu-se ao hipnotismo para combater a dor durante intervenções cirúrgicas.
Foi preciso esperar até 1846 para que o dentista americano William Morton levasse a cabo a primeira anestesia com éter.
Bibliografia
Figueiredo Lima,
Joaquim. Plantas Medicinais e Medicina Convencional. Chiado Editora, Lisboa,
2016.
Subhuti Dharmananda, Ph.D., Director, Institute for Traditional Medicine,
Portland, Oregon. Hua Tuo.(Internet).
Fotografia: autor.
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