CAMILO CASTELO BRANCO
ESTUDANTE DE
MEDICINA
Anos atrás, escrevi duas
biografias na primeira pessoa: “O Diário de Salazar” e “Eu, Camilo”. Em ambas,
coloquei ao lado dos textos produzidos pelos personagens biografados os
redigidos por mim. Se foi relativamente fácil imitar a escrita de Salazar, seguir
o mesmo processo com Camilo representou algum descaramento e um esforço
considerável de mimetismo.
É difícil falar em beleza
na nossa literatura em prosa sem evocar Camilo Castelo Branco. Percebo que os escritores
são todos datados, uns mais do que outros. Os problemas que afligem uma geração
poderão parecer distantes e artificiais um século mais tarde. No entanto, há na
escrita de Camilo um vigor, uma excelência no domínio da construção das frases
que, até hoje e a meu ver, não foi ultrapassada na língua portuguesa.
Camilo fez brilhar o
romantismo em Portugal quando ele começava a envelhecer no centro da Europa. Os
escritores românticos apreciavam os sentimentos fortes e carregados. O ciúme, a
vingança e o desespero exigiam um estilo declamatório e frenético. Camilo emprestou-lhe o seu timbre pessoal. Os discursos dos seus personagens são elaborados e muitas vezes espetaculares.
Camilo Castelo Branco chegou a ser considerado o maior romancista da Península
Ibérica.
A vida do escritor começou mal e acabou pior. Filho
ilegítimo de um nobre e de uma criada, nasceu em Lisboa. Órfão aos 10 anos, foi
recebido em Vila Real de Trás-os-Montes por uma tia que se aproveitou da sua
mocidade para lhe roubar o património.
Após as primeiras letras,
apenas o padre António, cunhado de sua irmã Carolina, lhe ensinou rudimentos de
francês e de cantochão. Os primeiros livros que leu pertenciam ao padre, cuja
biblioteca era reduzida.
Camilo passou a
adolescência em aldeias do Norte de Portugal. Aos 16 anos, já o tinham casado.
O futuro escritor abandonou a mulher e a filha pequena. Ambas morreram cedo.
O jovem Camilo resolveu
fazer-se médico, como o cunhado Francisco José de Azevedo, irmão do padre
António. Informou-se sobre as condições para a admissão na Escola
Médico-Cirúrgica do Porto. Era necessária a aprovação em Gramática e Língua
Francesa e, segundo se infere do "Dicionário" de Alexandre Cabral, em Filosofia Racional e Moral.
Corpo sul do Hospital de Santo António, onde esteve instalada a Escola Médico-Cirúrgica
Camilo preparou-se, ninguém sabe bem
como, dada a sua pouca escolaridade anterior. Prestou provas em outubro de
1843, no Liceu Nacional do Porto e foi aprovado. Três dias depois,
matriculou-se na Escola Médico-Cirúrgica. O primeiro ano constava das cadeiras
de Anatomia e Química. Como a Química podia ser frequentada noutro sítio,
inscreveu-se na Academia Politécnica.
Desenho da Academia Politécnica do Porto, no séc. XIX
Eu
morava na Rua Escura, um beco fétido de coirama surrada, em uma esquina que
olha para a viela de Pelames. Éramos dois os estudantes que ocupávamos o
terceiro andar, com uma retorcida varanda de pau debruçada em ameaças sobre os
transeuntes…
No verão de 1844, concluiu o primeiro ano. Foi aprovado em Química e
Anatomia. A 15 de outubro, matriculou-se no segundo ano da Escola Médica e na
cadeira de Botânica da Academia Politécnica.
Fotografia do livro de exames da Escola Médico-Cirúrgica do Porto
Camilo entendeu cedo que não tinha
vocação para médico. Perdeu o ano por faltas.
O
certo é que eu, em 1845, há quase vinte anos, bem que nem sequer entressonhasse
o céu e o inferno de escritor, já me empenhava de tecer enredos de romances,
enquanto os meus lentes de química e botânica se desvelavam em me fazer crer
que há ácidos e óxidos, e que há vegetais monocotiledóneos e vegetais
andróginos: coisas de que eu sinceramente não duvido nem sei nada.
(Em A filha do Doutor Negro).
Mudou-se para Coimbra, com a intenção de estudar Direito. Em 1846, as
aulas encerraram, devido à revolução que ficou conotada com o nome de Maria da
Fonte. Camilo voltou a Vila Real.
Em 1848, com 23 anos, foi para o Porto e começou a sua carreira de
jornalista. Abandonou em Vila Real a namorada grávida.
No Porto, levou uma vida atribulada. Após uma ligação sentimental com
uma freira, chegou-lhe a vocação religiosa e inscreveu-se no Seminário do
Porto.
O seminarista assistiu a poucas aulas. Graças à qualidade dos artigos que ia publicando nos jornais católicos, acabou por receber ordens menores. Passava muitas horas na Biblioteca de S. Lázaro. Estudou os clássicos portugueses antes de se virar para os autores europeus contemporâneos.
O seminarista assistiu a poucas aulas. Graças à qualidade dos artigos que ia publicando nos jornais católicos, acabou por receber ordens menores. Passava muitas horas na Biblioteca de S. Lázaro. Estudou os clássicos portugueses antes de se virar para os autores europeus contemporâneos.
Camilo Castelo Branco foi a primeira pessoa em Portugal a viver exclusivamente da
escrita.
Bibliografia
Cabral, Alexandre. Dicionário de Camilo
Castelo Branco. Editorial Caminho, Lisboa, 1988.
Viale Moutinho, José. Camilo Castelo Branco.
Memórias fotobiográficas. Editorial Caminho, Lisboa, 2009.
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