DEMÊNCIA E EUTANÁSIA
I
A palavra “eutanásia” vem
do grego e significa “boa morte”. Terminar a vida com dignidade e sem
sofrimento é uma aspiração antiga dos humanos. Em Setúbal, é bem conhecida a
capela do Senhor do Bonfim, cujo culto os setubalenses levaram para o Brasil. Existiu
ainda na cidade a capela do Senhor da Boa Morte.
Demência é o desfazer da
mente. Deterioram-se todas as funções intelectuais. São afetadas a
inteligência, o discernimento, a memória, o temperamento, o afeto e a energia. A
palavra aplica-se apenas a quem tinha antes uma capacidade intelectual normal.
As causas de demência são muito variadas.
Não faria sentido nem seria possível abordá-las todas. Irei referir apenas a
doença de Alzheimer. É a mais comum e importante doença degenerativa do cérebro.
Integra-se no grupo das demências progressivas em que outros sinais
neurológicos como paralisias ou movimentos anormais não ocorrem ou são pouco
importantes. Fazem parte do mesmo grupo alguns tipos da demência difusa de
corpos de Lewy e a doença de Pick, em que a atrofia cerebral é circunscrita.
Retirada de Adams, Victor & Ropper, Principles of Neurology
A doença de Alzheimer já faz
parte dos nossos pesadelos. É uma das doenças mentais mais frequentes, ocupando
cerca de 20 por cento das camas de hospitais psiquiátricos e uma percentagem
provavelmente bem maior das dos lares de terceira idade.
É relativamente rara antes
dos 60 anos. A partir daí, a sua incidência cresce exponencialmente, sendo
muito frequente acima dos 80 anos.
As mulheres são um pouco
mais sensíveis à doença do que os homens, mas a diferença é marginal. As senhoras
predominam nas estatísticas por durarem mais que nós.
A expectativa de vida de uma pessoa com
Alzheimer é aproximadamente metade da esperada para a idade. Os doentes não
morrem de demência. A doença torna-os mais vulneráveis às doenças respiratórias
ou cardiovasculares.
A doença de Alzheimer
provoca a morte de células cerebrais. Há perda generalizada de células nervosas
mais marcada no córtex cerebral e nos hipocampos. O cérebro diminui de tamanho,
enquanto crescem compensatoriamente as dimensões dos espaços ocupados por
líquido cefalorraquidiano: ventrículos e sulcos da convexidade cerebral.
Retirado da Internet
O início é tão insidioso
que raramente é apontada uma data precisa para o começo da doença. Ocasionalmente
é associado a algum evento, como uma operação, uma doença febril, um pequeno
trauma cerebral ou uma mudança de medicação.
Alguém acaba por reparar na
falta de iniciativa do doente, na perda do interesse pelo trabalho e pelo
negligenciar das tarefas diárias.
O sintoma mais
característico é o desenvolvimento gradual de esquecimento.
Esquecem-se os pequenos
acontecimentos do dia-a-dia e as conversas recentes. Repetem-se as mesmas
perguntas. O doente não sabe onde pôs os objetos pessoais. Ao falar, interrompe-se
por não lhe ocorrer a palavra adequada. Os nomes das pessoas conhecidas não vêm
à ideia, mesmo que pareçam estar “na ponta da língua”. O mesmo acontece à
escrita. O vocabulário reduz-se. A compreensão da fala dos outros mantém-se
mais algum tempo, mas acaba por ser afetada. Mais tarde, torna-se difícil dizer
frases inteiras ou entendê-las.
Como diferenciar a falta
de memória devida à idade da provocada pela doença de Alzheimer? Com a idade, perde-se
muito. Vai diminuindo a eficiência biológica, a resistência às doenças e a
capacidade do organismo para se manter como uma máquina eficaz. O
envelhecimento acompanha-se de alguma perda de neurónios, com diminuição do
volume e peso do cérebro.
No entanto, a falta de
memória devida à idade piora lentamente e interfere pouco com a capacidade para
exercer as tarefas diárias.
Há testes rápidos que
avaliam o estado mental, incluindo o reconhecimento da orientação no espaço e
no tempo, a memória de curto prazo, a reprodução de números, a capacidade de
cálculo e a linguagem.
Um dos mais usados é o Mini-Mental State
Examination - MMSE
Este teste é geralmente
realizado pelo médico no consultório e leva cerca de 5 a 10 minutos para
concluir.
Existem muitos outros
testes. Alguns permitem despistar a doença em fase mais precoce.
É o caso da WAIS (Weschler
Adult Intelligency Scale) ou da ADAS-Cog (Alzheimer`s Disease Assessment Scale
- Cognitive).
A última
foi desenvolvida em 1984. É um teste constituído por 11 provas de desempenho. É
mais aprofundado que o MMSE e permite despistar a doença numa fase mais precoce.
A sua aplicação demora habitualmente cerca de 30 minutos. O especialista pode
fazê-lo no consultório ou referenciar o doente para um psicólogo.
A evolução da doença é
progressiva. Aqui está, em gráfico, a escala FAST, desenvolvida pelo Centro
Médico de Envelhecimento da Universidade de Nova York e pelo Centro de
Investigação de Demência. Considera 7 estádios, sendo o primeiro o de normalidade,
em que ainda não existe doença.
No 2º estádio, começa a notar-se algum declínio funcional. Nesta fase e
nas seguintes, a tomada de conhecimento da deterioração intelectual pode
provocar depressão, que deverá ser tratada.
No 3º Estádio, a doença
ainda está em fase precoce. A pessoa funciona com a capacidade aproximada de
uma criança de 12 anos. Ocorrem mudanças de comportamento e instabilidade
emocional, com reações exageradas ou despropositadas. É bem conhecido o estado
de confusão e ansiedade que se verifica no final do dia. A capacidade para o
cálculo é afetada. O doente faz confusão com os preços e engana-se nos trocos.
Esquece o número do cartão Multibanco.
Ocorre desorientação
espacial. O doente pode perder-se em locais conhecidos.
Nota-se a falta de higiene
e o descuidar da aparência pessoal.
Nesta altura, ou antes, será
conveniente que o doente nomeie alguém para, no futuro, tomar decisões
importantes e cuidar das suas finanças.
A progressão da doença é variável. Alguns
doentes pioram em poucos anos, enquanto outros mantêm certa qualidade de vida
durante perto de duas décadas. A maioria dos pacientes de Alzheimer vive 5 a 10
anos após o diagnóstico.
No 4º Estádio, a doença
tem gravidade moderada. É já necessária alguma assistência de terceiros.
Até certo ponto da evolução da doença,
a memória do passado distante é relativamente bem conservada. A memória para
factos recentes perde-se primeiro.
No 5º Estádio, o doente já
precisa de ajuda para se vestir. O intelecto é comparável ao de uma criança de
5 a 7 anos. Desaprende o modo de usar utensílios comuns, embora retenha a força
muscular e a coordenação bastantes para os usar. Tem dificuldade em abrir ou
fechar as fechaduras das portas e em usar o garfo e a faca.
A marcha mantém-se, por regra, normal, até
uma fase adiantada da doença. Por vezes, torna-se difícil, de passos geralmente
curtos, lenta e com desequilíbrio.
Ao atingir o 6º Estádio, o cérebro funciona de
forma semelhante ao do de uma criança de 2 a 4 anos. É necessária assistência
24 horas por dia, sete dias por semana. Nesta fase, é quase impossível
conservar o doente em casa. Acontece a institucionalização.
No 7º Estádio, a demência é
severa, estando o funcionamento mental ao nível do de um recém-nascido. A morte
acontece frequentemente por infeção secundária, como a pneumonia.
No decurso das últimas fases
da doença de Alzheimer, tanto a situação do doente como a dos que cuidam dele é
complicada.
Os que nos amam respeitam
a memória do que fomos e não o quase vegetal em que nos tornámos.
A dada altura, perdemos
até a capacidade de sofrer. Os nossos, não.
*Palestra proferida na Casa da Baía, em Setúbal, no encerramento das JORNADAS CULTURAIS CONJUNTAS LASA/SOPEAM.
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