A MEDICINA
EM MACAU
III
ENFERMARIA (TERCENA) MILITAR
Os comerciantes de Macau
opunham-se, de um modo geral, a todas as despesas improdutivas. Limitavam os
subsídios destinados aos clérigos e reduziam ao mínimo possível os gastos com
militares.
Durante vários anos, não
se sentiu a necessidade da tropa. Em 1622, o governador holandês de Batávia,
Jan Pieterrzoon enviou uma expedição a Macau. Os invasores foram derrotados.
Pieterrzoon escreveu, no ano seguinte: «os portugueses derrotaram-nos em Macau
com os seus escravos; não foi com soldados, pois não havia lá nenhum».
A ameaça holandesa fez
tocar os sinos de rebate. As autoridades macaenses pediram ajuda a Manila e a
Goa. Manila enviou prontamente «mais de cem soldados e mui boa artilharia a
cargo do sargento-mor J. Fernando da Silva». O Vice-Rei da Índia enviou outros
cem soldados e o primeiro capitão geral, D. Francisco Mascarenhas. Foram então
ocupados os postos mais adequados à defesa da cidade: a Barra, o forte de S.
Francisco, a Penha de França, o forte de S. Paulo e o de Nossa Senhora da Guia.
O capitão geral mandava
apenas nos militares. Os chineses chamavam-lhe Peng-T´au (chefe da tropa). Quem dirigia toda a atividade de Macau,
incluindo os serviços de ronda policial, eram os homens bons reunidos no
Senado.
Macau passou a dispor duma
guarnição mas, durante três séculos não existiu um hospital militar. Os
soldados doentes eram tratados no único hospital existente: o da Misericórdia.
A situação não agradava à Santa Casa. Os soldados ocupavam os lugares que
deveriam ser para os pobres «que ficam mal acomodados e muitas vezes não têm
lugar para serem recebidos». Além disso, os militares internados mostravam uma certa
propensão para a desordem «pela introdução de bebidas e outras causas
prejudiciais à saúde».
Fizeram-se alguns projetos
para construir um pequeno hospital ou uma enfermaria destinada exclusivamente
ao uso da tropa. Foram esbarrando nos custos. Eram precisos «cirurgião, botica,
boticário, capelão, administrador, enfermeiro e serventes». Em 1785, o
orçamento para a enfermaria, estimado em 6.000 taéis, foi considerado exagerado
pelo Governador da Índia. A Tercena militar seria construída apenas em 1798. O
seu primeiro médico foi Manuel Gonçalves. O primeiro sangrador da tropa foi
João Alexandre de Vasconcelos, «homem preto» que exercia as mesmas funções no
Hospital da Misericórdia. A Tercena tinha quartos particulares para oficiais.
Em 1822, o Dr. Domingos
José Gomes deixou-nos o relato das doenças que tratou durante os seus 12 anos
de cirurgião-mor em Macau: «tabes ou convulsões dorsais, obstruções e cirroses,
tanto do fígado como do mesentério, vício sifilítico ou gálico, hidropisias,
ascites, algumas disenterias e finalmente febres que, relativamente às moléstias
acima ditas, são poucas».
Domingos Gomes atribuía
esta patologia ao «continuado alimento de peixe, ora salgado, ora fresco,
mariscos, continuamente adubados de grande quantidade de açafrão, pimentos e
muitas espécies aromáticas e calefacientes, que só por si depravam as túnicas
do estômago e, conseguintemente, alteram mos sucos digestivos tão essenciais à
digestão… O excessivo uso de um vinho que os chinas extraem do arroz e que o
vulgo, em razão dos seus estragos, chama “fogo”, tão acre e tão corrosivo que arruína
e dá cabo em poucos meses do indivíduo mais valente que a ele se aplique…
A incontinência, que se
pode considerar como um efeito ou corolário das premissas acima declaradas, é,
também, outra não menos fatal à tropa, pelo continuado estímulo da comida tão
condimentada e da bebida excitante, impelindo à satisfação das suas paixões carnais,
contrai com maior facilidade o vício gálico e às vezes duma natureza tal que,
resistindo ao mais bem ideado tratamento, conduz muitos dos doentes à sepultura…»
Imagens: arquivo pessoal, Internet.
Imagens: arquivo pessoal, Internet.
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