MEDICINA EM MACAU
II
O
livro «A Medicina em Macau», do padre Manuel Teixeira, começa com uma
referência aos boticários jesuítas do Colégio de S. Paulo.
O
Colégio resultou da ampliação da antiga Escola da Madre de Deus e foi fundado
em 1594 por Alessandro Valignano. Destinava-se a ambientar os missionários
jesuítas que vinham para o Extremo Oriente fazer apostolado e a melhorar a sua
preparação específica. O programa académico incluía o ensino de Português e
Chinês. Tornou-se uma instituição pioneira na abordagem da cultura oriental e
um centro asiático de preparação de missionários católicos. Secundariamente, ou
não, ensinava as primeiras letras aos macaenses.
Durante
o período chamado Nanban, esteve ligado ao comércio marítimo entre Macau e
Nagasaki. Cedo contou com meia
centena de professores jesuítas e com mais de 200 alunos. O seu apogeu esteve
ligado ao auge das relações económicas e culturais com o Japão.
Logo
em 1595, foi danificado por um incêndio, mas a reconstrução pouco tardou.
Em
1639, depois de um período conturbado de guerras civis, o Japão foi unificado. «Um
país, uma religião», à maneira da centralização do poder de Espanha, ocorrida um
século mais cedo. O catolicismo foi banido do país. Muitos crentes foram
massacrados e os missionários foram expulsos.
O
Colégio foi usado para abrigar os sacerdotes perseguidos. Funcionou até 1762,
altura em se fez sentir no Oriente a decisão do Marquês de Pombal banir a
Companhia de Jesus de todos os territórios sob administração portuguesa.
Como
aconteceu mais tarde, durante a República, as instalações religiosas foram
aproveitadas para servirem de quartel aos militares.
No
ano de 1835, um incêndio começado nas cozinhas levou à destruição quase total
da edificação. Resta apenas a fachada e a escadaria monumental que lhe dá
acesso. Curiosamente, a ruína duma construção portuguesa acabou por se tornar um dos
ex-libris da Ásia.
E
vamos à História da Medicina!
Um
irmão boticário do Colégio de S. Paulo dirigiu ao superior hierárquico um
documento em que expressava as dificuldades sentidas na sua prática diária. A
linguagem é clara e saborosa. Passo a transcrever alguns parágrafos. Num ou
noutro ponto, recortei e colei pedaços de texto, tendo o cuidado de lhe não
desvirtuar o sentido.
Por vezes tenho falado a V. Rev.ª
dando-lhe várias razões para que haja por bem que eu não vá para fora da Casa
curar a nenhum enfermo.
Primeiramente, tenho dificuldade de
curar fora desta Casa, por não ser médico, porque um médico tem necessidade de
saber muito bem latim, curso e medicinas e como V. Rev.ª sabe, das duas não sei
nada e de latim sei muito pouco.
Vai em 6 anos que estou em Macau e
todas as vezes que os Superiores me mandam fazer alguma cura, me escusei, vendo
a minha insuficiência e, assim, sempre fui forçado, mais por lhes dar gosto e
satisfazer o seu mandado, que para outro nenhum fim.
Ainda que algumas curas me sucederam
bem, fiz muitos erros por não saber e alguns deles graves, de que fiquei com
muitos escrúpulos.
Vai em 6 anos que curo nesta cidade
e neste curso de tempo tenho curado 92 homens, alguns 2 e 3 vezes, e 39
mulheres, tudo por ordem dos Superiores, gastando com estes enfermos todas as
mezinhas que lhes foram necessárias, afora outras que dei, por ordem de outros
médicos, sem nenhum destes senhores mandar a esta botica nem um só pardau para
ajuda, sabendo bem que este Colégio é pobre.
Mais parece que gente tão ingrata
não merece tão bem servida e o certo é que estes senhores cansam os Superiores
e a mim, mais para não gastarem do que por lhes faltar na terra quem os cure.
Como nesta cidade nunca houve médico
em forma, não têm, os que governam, posto os preceitos que se põem em todas as
terras, que ninguém cure sem ser examinado, donde vem que todas as parteiras chinas
e canarins curam de medicina e de quantas enfermidades há, sem ninguém saber o
que elas sabem.
Nesta terra há mais de 600
portugueses casados. Como as mulheres, as mais delas, são chinas ou têm parte
disso, são mais afeiçoadas a este modo de cura, por ser o seu natural e, pelo
contrário, estranham muito as curas ao modo português.
O documento não está assinado, mas tem data: 21 de dezembro de 1625.
IMAGENS: INTERNET, ARQUIVO PESSOAL.
O documento não está assinado, mas tem data: 21 de dezembro de 1625.
IMAGENS: INTERNET, ARQUIVO PESSOAL.
Sem comentários:
Enviar um comentário