MEDICINA EM MACAU
V
VARÍOLA
O português Ribeiro Sanches foi médico da corte de S.
Petersburgo. Durante a sua estadia na Rússia (entre 1731 e 1746) trocou correspondência com os sábios jesuítas residentes na China.
O contacto foi facilitado pelo facto de Policarpo de Sousa, bispo de
Pequim, ter sido seu condiscípulo.
Conta o padre Manuel
Teixeira, citando o Dr. J.Soares, que Ribeiro Sanches pediu a D. Policarpo informações
sobre a varíola, a que os chineses davam poeticamente o nome de “flor do céu”
(T`ien-fá). O bispo consultou vários médicos antes de responder. Infelizmente,
não referiu o aspeto mais importante da questão: na China fazia-se inoculação
do vírus da varíola, como processo ativo de imunização, desde a dinastia Sung,
no século X.
Os médicos recolhiam as
escamas secas das pústulas, pulverizavam-nas e diluíam-nas em água. A vacina
era administrada nas narinas de gente saudável quando se aproximava uma
epidemia. Apesar de se escolherem dadores com formas atenuadas da infeção, era
comum o desencadear de formas graves de varíola. O método terá tido origem na
Pérsia ou no norte da Índia.
A ignorância do bispo D.
Policarpo em relação ao processo chinês de inoculação, ou a pouca importância
que lhe dava, impediu que a vacinação contra a varíola fosse introduzida na Europa
por mão portuguesa. Terá sido Lady Montagu, esposa do embaixador da Inglaterra
em Istambul (o mesmo que surripiou os relevos do Partenon e os fez transportar para
o Museu Britânico) quem levou este conhecimento para Londres. A imunização popularizou-se,
com o nome de variolação, antes do advento da vacina de Jenner.
A varíola terá começado na
índia. É ali adorada desde tempos incontáveis a Deusa da Varíola, Sitala.
Julga-se que foi a partir do continente indiano que a doença alastrou para Ocidente e Oriente, ao longo das rotas comerciais.
Julga-se que foi a partir do continente indiano que a doença alastrou para Ocidente e Oriente, ao longo das rotas comerciais.
Entre 1765 e 1791, na
Inglaterra e na Alemanha, Fewster, Sevel, Jensen, Jesty, Rendell e Plett testaram
com sucesso uma vacina contra a varíola bovina em humanos. Foi contudo com
Edward Jenner, a partir de 1796, que a técnica se aperfeiçoou e se tornou conhecida.
A vacina
de Jenner foi trazida de Manila para Macau em 1805 por um cidadão português com nome
britânico (Hewitt), comerciante em Macau, tendo sido administrada aos chineses pobres que viviam “amontoados em barcos ou noutros lugares”.
A iniciativa teve sucesso.
Em janeiro de 1806, segundo o Ouvidor Manuel de Arriaga, o cirurgião do Partido
Municipal, Domingos José Gomes, atestara que ninguém morrera de bexigas na
monção daquele ano, ao contrário dos anos anteriores.
As campanhas de vacinação
não se sucederam com regularidade. Umas vezes, faltava a vacina e outras a
organização sanitária. Sucediam-se em Macau recrudescências da endemia de
varíola do sul da China.
Em 1851, segundo um ofício
do cirurgião-mor Pereira Crespo, uma epidemia de bexigas colheu na cidade mais de 200 vidas. Novo e mais grave surto da doença ocorreu no final de 1854 e começo de 1855. "Mui poucas famílias deixaram de lamentar a perda d`algum de seus membros". O cirurgião-mor inoculou então mais de 300 pessoas. Na falta da vacina de Jenner, Pereira
Crespo retomou em parte a prática chinesa milenar, com sucesso apreciável. Julgo que substituiu a administração
nasal pela escarificação.
As epidemias de varíola em
Macau repetiram-se (pelo menos) em 1907, 1917 e 1924, embora ocorressem quase
todos os anos casos esporádicos ou reveladores de endemia.
Há registos que indicam
que as inoculações praticadas com vacinas modernas em Macau ultrapassaram as
80.000 em 1945 e se aproximaram das 30.000 no ano seguinte.
Em 1980, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) declarou a varíola erradicada. Era a primeira vez na
História da Medicina que uma doença contagiosa era considerada extinta. A
última epidemia conhecida ocorrera na Jugoslávia em 1972. Este avanço
extraordinário em saúde pública tornou-se possível por o vírus se acolher apenas
em humanos e por não variar o serotipo.
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