LEONARDO DA VINCI
O PRIMEIRO GRANDE ANATOMISTA
III
Como seria de esperar de
um pintor que regista as suas reflexões a luz, a sombra, a perceção visual e a
perspetiva ocupam muitas páginas dos escritos de da Vinci. Os seus apontamentos
refletem os conhecimentos de ótica do seu tempo. Leonardo esforçou-se por
compreender a fisiologia da visão, mas ainda era cedo para o conseguir.
O artista considerava a
visão o mais importante dos sentidos e preocupava-se com a transmissão das
impressões visuais.
Escreveu: Diz-se que as donzelas têm o poder,
através do olhar, de atrair o amor dos homens para elas próprias.
O desenho de um dos seus
cortes de crânio e cérebro mostra os nervos óticos a dirigirem-se para uma
sucessão de três ventrículos. Os sinais seriam primeiro recebidos e depois
interpretados. Uma parte deles seria, a seguir, memorizada. Julgava-se, ao
tempo, que os ventrículos cheios de líquido eram o suporte da atividade
cerebral.
Vejamos agora esta
representação do cérebro seccionado sagitalmente e rebatido para os lados. Há uma evolução extraordinária em relação ao
esboço anterior. Leonardo teve uma ideia simples para estudar os ventrículos:
encheu-os com cera quente. Depois de arrefecida, removia o cérebro envolvente,
obtendo um molde sólido do sistema ventricular.
Vêm-se
os ventrículos cerebrais, também observados de perfil, e a base do cérebro, com
as meninges envolventes.
O quiasma ótico tinha sido já descrito
por Mondino. Leonardo ilustra os olhos, os nervos óticos, o quiasma, os nervos
olfativos, o motor ocular comum, o motor ocular externo e as divisões
oftálmica, maxilar superior e mandibular do trigémeo. Note-se que, dos nervos
oculomotores, apenas o patético não é representado.
Este
avanço extraordinário no conhecimento anatómico não teve, nem poderia ter
repercussão nas ideias de Leonardo sobre o funcionamento cerebral.
O artista atreveu-se a desenhar uma
cópula humana em corte aproximadamente sagital. Trata-se de uma compilação de
ideias e de imagens, uma espécie de síntese do que Leonardo leu e observou.
Será dos trabalhos de Leonardo da Vinci que contêm mais incorreções, mas não
deixa de suscitar assombro. O útero é representado ligado à medula espinhal. Da
Vinci inventou um canal que liga diretamente o coração aos testículos e outro
que estabelece uma conexão entre o útero e as mamas. Curiosamente este
trabalho, um dos mais imperfeitos do anatomista, foi dos primeiros a ser gravado
em madeira e impresso.
Por volta de 1510, Leonardo desenhou
fetos humanos. Seria extraordinariamente difícil conseguir cadáveres de
mulheres grávidas. O mais provável é que tenha dissecado embriões resultantes
de abortos, projetando os seus achados para um período mais avançado da
gestão.
Este desenho de um feto no útero tem
várias inexatidões. O ovário não se encontra na sua posição normal e a placenta
representada é provavelmente de vaca.
Os seus últimos estudos
anatómicos foram dedicados ao coração. Leonardo desenhou as artérias
coronárias.
Identificou as aurículas,
descreveu os movimentos de sístole e de diástole e compreendeu, antes de
ninguém, o mecanismo de abertura e encerramento das válvulas do coração.
Contudo, preso às ideias antigas segundo as quais as artérias funcionavam
independentemente das veias e conduziam o fluxo vital, não foi capaz de ir mais
além no entendimento da circulação sanguínea.
Os grandes artistas eram
sustentados por mecenas. Durante a sua segunda estadia em Milão, Da Vinci foi
protegido pelo governador francês Charles d`Ambroise.
D´Ambroise faleceu em 1513. No final desse ano, Leonardo aceitou a proteção de Giuliano de Medici, o papa Leão X, e mudou-se para Roma com os seus discípulos. Realizou algumas dissecções humanas do Ospedale di Santo Spirito.
D´Ambroise faleceu em 1513. No final desse ano, Leonardo aceitou a proteção de Giuliano de Medici, o papa Leão X, e mudou-se para Roma com os seus discípulos. Realizou algumas dissecções humanas do Ospedale di Santo Spirito.
Leonardo não se deu bem na corte pontifícia. Estaria a
envelhecer. Por essa altura, Miguel Ângelo e Rafael eram mais solicitados do
que ele para a feitura de obras de arte.
Ocupou-se da drenagem dos pântanos de Pontino, a sul de Roma.
Dedicava-se também a experiências
estranhas e foi acusado de práticas sacrílegas. O papa Leão X proibiu a sua
entrada no hospital do Espírito Santo. Terminava a carreira anatómica de Leonardo
Da Vinci.
Estava-se em 1514. André Vesálio nasceu no
último dia desse ano.
Terá feito mais de 750
desenhos com anotações.
Muito do seu trabalho anatómico
perdeu-se. Da Vinci
morreu em 1519. Deixou os desenhos ao seu discípulo e herdeiro Francesco
Melzi.
Algumas gravuras
terão sido copiadas por Alberto Durer, em 1517. Os trabalhos anatómicos de da
Vinci terão influenciado a Anatomia de Johannes Dryander, de Marburg, publicada
em 1537 e considerado o primeiro livro de neuroanatomia.
Após a
morte de Melzi, ocorrida por volta de 1570, a maior parte da coleção foi
adquirida pelo escultor Pompeo Leoni, que levou alguns volumes de desenhos para
Madrid. Morto Leoni, em 1609, um desses volumes foi comprado por Thomas Howard,
conde de Arundel, e foi ter à coleção Real de Windsor.
O que chegou até nós
apenas foi divulgado no começo do sec. XX. A Biblioteca Real do Castelo de
Windsor conserva a maior coleção de desenhos de Leonardo da Vinci existente no
mundo.
Se as ilustrações em que Leonardo reproduziu os vários planos de corpos humanos dissecados tivessem sido conhecidos pela comunidade médica ainda em vida do artista, ou pouco tempo após a sua morte, a obra de André Vesálio resultaria parcialmente ofuscada.
O que é é. A História não se muda. A grandeza do espírito de Leonardo da Vinci é reconhecida há mais de cinco séculos, mesmo amputada do seu trabalho anatómico.
BIBLIOGRAFIA
Leonardo
da Vinci - Desenhos e Esboços, Frank Zollner, TASCHEN.
Os
Apontamentos de Leonardo da Vinci, organizado por H. Anna Suh, Parragon Books,
2007.
Leonardo
da Vinci – Anatomia humana. Masson-Salvgat Medicina.
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