ANDRÉ VESÁLIO
Hoje completam-se quinhentos anos passados sobre o nascimento de André Vesálio, o
fundador da Anatomia moderna.
Vesálio é o nome
aportuguesado de Andries van Wesel, mais conhecido no mundo científico como Andreas
Vesalius. Nasceu em Bruxelas a 31 de dezembro de 1514 e morreu na ilha de
Zakinthos, na Grécia, a 15 de outubro de 1564, quando regressava duma viagem à
Terra Santa.
Vesálio foi um homem do
Renascimento. Fez os primeiros estudos em Bruxelas. Em 1530 matriculou-se na
Universidade de Lovaina (Leuven, na Bélgica) e em 1533 mudou-se para a
Universidade de Paris, onde estudou com Jacobus Sylvius, um fiel de Galeno que
mais tarde se iria incompatibilizar com o mais brilhante dos seus alunos.
A guerra entre a França e
o Sacro Império Romano obrigou Vesálio a regressar a Lovaina, onde, em 1537,
aos 23 anos, recebeu o grau de bacharel em Medicina. No mesmo ano, viajou para
Pádua, um dos centros universitários mais conhecidos da Europa. Parecia que o
esperavam. Após um exame de dois dias, foi-lhe atribuído o grau de Doutor em
Medicina. No dia seguinte, foi nomeado professor de Cirurgia e Anatomia.
Revelou-se então como anatomista.
Ao contrário do que era habitual, Vesálio executava ele próprio as dissecações. Fez
também as primeiras ilustrações, destinadas a facilitar o estudo aos seus
alunos.
O anatomista desenhava mal
e dava conta da importância que as imagens tinham para a compreensão dos
textos. Procurou e obteve a colaboração de artistas de qualidade. Terá ido
buscá-los à oficina de Ticiano, em Veneza. As ilustrações não foram assinadas.
Diz-se que Jan Stephen van Calcar teve uma importância crucial na composição das suas gravuras anatómicas.
O número de cadáveres disponíveis para dissecção era limitado. O prestígio do jovem professor universitário levou
Marcantonio Contarini, juiz do tribunal de Pádua, a reservar-lhe os corpos dos
criminosos condenados à pena capital, chegando a atrasar as execuções em
benefício do anatomista. Não conheço outro contributo de um juiz para o
progresso da Medicina.
Podendo recorrer a mais
material de estudo, Vesálio constatou cedo que Galeno descrevera a anatomia de
porcos e macacos e que os seus ensinamentos contradiziam com frequência o que
era possível observar no corpo humano.
Durante mais de mil anos, contestar
Galeno constituíra um sacrilégio para os médicos. Vesálio fê-lo bem alto,
primeiro em Pádua e depois em Bolonha.
Por volta de 1538, de novo
em Pádua, Vesálio deu início à elaboração da obra mais importante
da sua vida: De humani corporis fabrica. O título pode ser traduzido, de forma
aproximada como «A estrutura do corpo humano».
O livro foi impresso em
Basileia, na tipografia de Joannes Oporinus, em 1543. Esta publicação marca, no
dizer de Aguirre, o início da medicina moderna. Irei referi-lo com algum
detalhe dentro de dias.
O sucesso extraordinário
da sua obra teve uma consequência nefasta: André Vesálio, tornado famoso, foi
contratado como médico do Imperador Carlos V e da sua família e abandonou os
estudos anatómicos. Tinha 32 anos.
Foi cirurgião militar, nas
guerras do imperador. Trabalhou como médico durante a batalha naval de Lepanto e tratou Miguel Cervantes, ferido no combate contra os turcos.
O seu treino de
minúcia nos trabalhos anatómicos adaptava-se mal à necessidade de rapidez das
intervenções executadas antes da descoberta da anestesia. Ainda assim, Vesálio introduziu
na literatura médica a drenagem cirúrgica dos empiemas ganhando fama também
como cirurgião.
O maior contributo de
André Vesálio para o desenvolvimento da Medicina reside certamente no
reconhecimento de que os cirurgiões devem ter um conhecimento aprofundado da
anatomia humana, o que só poderia ser conseguido se praticarem dissecções em
cadáveres.
Quando o rei Henrique II
de França foi gravemente ferido na cabeça durante um torneio, Ambroise Paré foi chamado para o tratar. Como o rei não melhorou, a corte requereu os serviços de André Vesálio.
O doente não resistiu aos ferimentos e Paré não perdoou ter sido
subalternizado. Em 1562, acusou André Vesálio de ter realizado uma vivissecção
numa mulher em letargia histérica.
Morto Carlos V, Vesálio
foi, de certo modo despromovido por seu filho e sucessor, Filipe II de Espanha
(e primeiro de Portugal). Foi encarregado de tratar os holandeses da corte.
Não se sabe muito sobre
este período de vida André Vesálio nem sobre as circunstâncias que precederam a
sua viagem de à Terra Santa. Na falta de informações, sobram as conjeturas.
Poderá ter sido acusado de heresia pela Inquisição espanhola, ao tempo muito
ativa. Há quem diga que praticou (inadvertidamente ou não) uma vivissecção num
humano (já tinha sido acusado anteriormente de crime semelhante, como vimos
atrás). Outros sugerem que a peregrinação a Jerusalém constituiu uma maneira
diplomática de sair da corte espanhola.
Tão pouco sabermos se pretendia regressar.
Certo é que partiu em 1564. Passou por Itália, onde terá sido convidado para
regressar ao ensino na Universidade de Pádua. Embarcou em março desse ano para
a Palestina, com escala em Chipre. Em data imprecisa, empreendeu a viagem de
regresso. O navio em que seguia enfrentou uma tempestade violenta. Vesálio
chegou em outubro, doente e debilitado, à ilha de Zakinthos, onde acabaria por
morrer.
Não é conhecido o local onde foi enterrado. André Vesálio tinha 50
anos.
O grande mérito de Vesálio foi ter libertado o
ensino e a pesquisa da anatomia dos escritos de Galeno que haviam pontificado
durante 14 séculos.
O seu trabalho
verdadeiramente científico interrompera-se 18 anos mais cedo. Em Pádua, Vesálio
teve seguidores de mérito: Realdo Colombo (com quem Miguel Ângelo projectou
fazer um atlas de anatomia), Gabriel Fallopio, Jacobus Fabrizzi (mestre de
William Harvey) e Julius Casserius.
(Continua)
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