JOAQUIM
FIGUEIREDO LIMA
MEMÓRIAS SOBRE A DOR E O SOFRIMENTO
Noticiei
um par de vezes neste blogue o trabalho importante que Joaquim Figueiredo Lima
tem desenvolvido na investigação da História da Anestesia e da Medicina,
portuguesas e não só.
Que eu saiba, publicou:
Evolução da Ressuscitação/Reanimação
Cardiorrespiratória – Uma síntese (2016)
A Anestesia em Portugal
– séc. XIX e início do séc. XX. O Contributo das Teses de Dissertação
Inaugural. Escola Médico-Cirúrgica do Porto e Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa
(2016)
Plantas Medicinais e Medicina
Convencional (2016)
Memórias sobre a Dor e o Sofrimento
– Uma perspetiva histórica da Humanidade (2017).
Todas
estas obras foram publicadas pela Chiado Editora, o que significa provavelmente
que o autor pagou do seu bolso para
colocar o resultado dos seus estudos e das suas reflexões ao dispor da
comunidade médica.
Hoje vou
falar das “Memórias sobre a dor e o sofrimento”, uma obra monumental repartida
por dois grossos volumes que, no conjunto, somam perto de 1.100 páginas.
Embora tenha
tido por interesse inicial a abordagem da dor, Figueiredo Lima elaborou um
verdadeiro compêndio de História da Medicina Universal. Não se trata de um
tratado, pois o autor limitou o mais que pôde o espaço concedido a cada
personagem. De outro modo, teria produzido um trabalho enciclopédico.
Do índice
onomástico, constam mais de 630 títulos. Vê-se ali a mão do Professor. A cada
entrada, estão associadas referências bibliográficas que orientam o leitor que
pretenda aprofundar o seu conhecimento em temas específicos.
O autor
optou por uma escrita simples que torna o livro fácil de ler. Embora o
propósito aparente tenha sido o de produzir um instrumento de consulta, quem
pretender informar-se sobre um tema particular, perde-se facilmente na leitura
dos assuntos que o antecederam ou seguiram, na ordem cronológica. Aconteceu
assim comigo. Li largas centenas de páginas.
Vou ilustrar
este texto com a notícia relativamente alargada sobre Luís Gomes Ferreira.
Reproduzo-a, com a devida vénia ao autor. Escolhi-a por interesse pessoal. Sou
neurocirurgião. Esta é, tanto quanto sei, o primeiro relato de uma intervenção
neurocirúrgica praticada por um cirurgião português.
1735 – Luís
Gomes Ferreira (1686-1764) nasceu em S. Pedro de Rates (Póvoa de Varzim).
Estudou Medicina no Hospital Real de Todos os Santos (Lisboa), tutelado pelo
cirurgião Francisco dos Santos. Em 1705 obteve a licença de Cirurgião-Barbeiro.
Em 1708
integrou o exército português em campanha destinada a expulsar os franceses
instalados no Rio de Janeiro. Exerceu Medicina no Brasil durante cerca de vinte
anos, especialmente no Estado de Minas Gerais.
Em 1735
publicou em Lisboa uma obra com doze capítulos, atualmente pouco conhecida,
intitulada: Erário Mineral. Foi um dos primeiros livros de Medicina escritos em
língua portuguesa sobre a prática de Medicina em terras brasileiras.
De acordo
com Sebastião Silva Gusmão (Sociedade Brasileira de História da Medicina) terá
sido, em 1710, o primeiro a realizar uma cirurgia sobre o cérebro.
Com efeito, no Erário Mineral, Luís Gomes Ferreira descreveu uma situação clínica original
e curiosa, da qual se transcrevem excertos: No
ano de 1710, me mandou chamar Dom Francisco Rondom, natural de S. Paulo,
estando morador nas Minas da Paraopeba, em um ribeiro minerando, e andando os
seus escravos trabalhando, caiu na cabeça de um, um galho, ou um braço de pau
que, casualmente, se despregou do seu natural, e logo ficou o escravo em terra
e sem acordo, nem fala. Ao fim de três dias cheguei a vê-lo e achei-o do mesmo
modo. Considerei que algum osso quebrado estava carregando sobre a dura-mater e
ofendendo o cérebro; abri praça em cruz com uma tesoura e afastando a carne do
pericrânio, logo com os dedos achei ossos fraturados em várias partes. Não
tendo mais do que clara de ovo e teias de aranha para tomar o sangue, por serem
matos gerais muito distantes do povoado e da vizinhança, parou o sangue. Logo
assim que meti os dedos na ferida, achei um osso submerso e entendi que era
aquele que fazia o dano. Metendo o levantador com o melhor jeito que pude,
alguma coisa o levantei e porque o doente estava com um peso notável na cabeça
e muito sonolento, lhe lancei em cima das fraturas umas pingas de aguardente,
tépida somente (…) Ficou o cérebro à vista com um buraco quase do tamanho de
uma laranja. Pus-lhe um pedaço de cabaço, limpo por dentro e por fora, forrado
de tafetá encarnado e seguro, bem junto às paredes dos ossos, mas antes de o
pôr, lançando dentro umas pingas de aguardente somente quebrada de frieza. E
assim que o buraco acabou de fechar, acabei por lançar fora o casco de cabaço e
acabei de curar a chaga com aguardente somente. Falando o doente muito bem em
toda a cura e comendo melhor… disse a seu senhor o não mandasse carregar na
cabeça peso algum. Quem dissesse aos antigos, que em cima das membranas do
cérebro e em cima do mesmo cérebro se lançava aguardente, sendo um medicamento
tão cálido, que diriam eles, quando encomendam tanto os benignos? É certo que o
haviam de reprovar com a espada na mão, e também é certo que eles não podiam
saber tudo.
Seguem-se
três referências bibliográficas.
Parabéns, Joaquim
Figueiredo Lima, pelo seu trabalho notável em prol da História da Medicina!
Muito obrigado Dr. António Trabulo! Abraço!
ResponderEliminarMuito obrigado meu Estimado Amigo! Ao produzir estes trabalhos em muitas centenas de horas de trabalho...eu divirto-me e aprendo...por isso, acho ser útil transmitir estes conhecimentos a outros!
ResponderEliminarObrigado Amigo Dr. António Trabulo