GRIPE PNEUMÓNICA
I
Assinala-se este ano o
centenário da gripe pneumónica, a pandemia mais assassina da história da
humanidade. Terá atingido 500 milhões de pessoas, em todos os continentes.
Lembro que a população mundial, em 1918, era de cerca de 1.700 milhões.
Adoeceram, a acreditar nestas cifras, mais de um quarto dos habitantes do
planeta.
Para um curioso como eu, é
surpreendente a divergência dos números apresentados por diversas fontes para o
mesmo acontecimento. A estimativa do número global de mortos oscila, segundo as
fontes, entre 20 e 100 milhões.
Mesmo as estimativas mais conservadoras
apontam para um número de óbitos superior ao registado ao longo dos quatro anos
que durou a II Grande Guerra e que terá sido de 15 milhões, contabilizando
tanto as vítimas militares como as civis. Provavelmente, a gripe pneumónica
colheu, no decurso de um único ano, um terço do número de vítimas provocadas
pela peste em seis séculos de história. Terá matado, nas 25 semanas da segunda
vaga, mais pessoas que a SIDA em 25 anos.
Para a dificuldade em
acertar contas, contribui o facto de, há um século, as estatísticas não serem
fiáveis em alguns dos países mais populosos do mundo, como a China e a Índia.
A taxa de mortalidade
variou com os países afetados e com as ondas epidémicas. Foi mais elevada na
segunda vaga, onde terá chegado aos 6 a 8 por cento. Em algumas regiões, ter-se-á
aproximado dos 20%. Nos Estados Unidos, houve populações de índios que foram
devastadas.
A origem geográfica da
chamada “gripe espanhola” continua a ser discutida, mas sabe-se não começou na
Espanha. A explicação para
a alcunha é simples. A Espanha foi um dos poucos países neutros durante a I
Grande Guerra e, por essa razão, um dos raros onde a imprensa era livre de
noticiar a epidemia. Sabia-se que, mesmo longe da região do conflito armado,
estavam a adoecer e a morrer milhares e milhares de pessoas. Os países
beligerantes evitavam alarmar em demasia as opiniões públicas nacionais e
censuravam as notícias.
Foram aventadas diversas
hipóteses para o início da doença. Segundo alguns, terá nascido na China, sendo
transportada para a Europa pelos trabalhadores chineses que vinham abrir
trincheiras na Flandres. Segundo outros, terá sido trazida por soldados provenientes da Indochina, que lutaram ao lado dos franceses. Há também quem admita a possibilidade de a gripe ter tido origem multicêntrica, com focos independentes na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos da América.
O primeiro registo seguro
provém do Kansas, no centro dos Estados Unidos da América. A doença foi identificada pela primeira vez em janeiro
de 1918, em Haskell County, no Kansas.
Na
primavera de 1918, continuavam a ser treinados muitos recrutas americanos para
participarem na guerra que se travava na Europa.
No
mês de março de 1918, foi internado na base militar de Fort Riley, um jovem que
se queixava de dores de garganta, mialgias e febre. Na mesma semana, adoeceram
mais de duzentos soldados com os mesmos sintomas. Uma semana depois, foi
registado um caso similar em Queens, Nova Iorque.
Antes
do final de março, havia mais de mil militares hospitalizados. A doença
espalhou-se rapidamente por outros acampamentos militares. Era a gripe.
Auditório Municipal de Oackland, adaptado a enfermaria
Tratava-se
de uma forma extremamente contagiosa da doença. Chegaram a adoecer mil e
quinhentos soldados por dia.
A
doença alastrou rapidamente pelos E.U.A.
Enfermeiras da Cruz Vermelha em San Louis, no outono de 1918
Logo
a seguir, a gripe foi transportada para a Europa pelos soldados americanos. A
Pneumónica viajou por mar. Na Europa, foram registados os primeiros casos em
abril de 1918. Ocorreram em soldados franceses, ingleses e americanos que se
encontravam em portos de embarque, em França.
Todos
os exércitos envolvidos na Grande Guerra foram devastados pela doença.
Calcula-se que perto de 80 por cento das mortes das forças americanas
destacadas para a Europa foram provocadas pela gripe.
A
expansão da epidemia foi imparável. Em maio, atingiu Portugal, Espanha e a
Grécia. Em junho, chegou à Dinamarca e à Noruega e em agosto, matava já na
Holanda, na Bélgica e na Suécia. A seguir, espalhou-se pelo mundo. Mesmo ilhas
remotas, no Ártico e no Pacífico foram afetadas pela pandemia.
A
pneumónica grassou durante os anos de 1918 e 1919. O
seu progresso não foi regular. Evoluiu em três vagas sucessivas.
A primeira foi a mais
benigna e decorreu até agosto de 1918.
A segunda foi a mais
mortífera. Instalou-se durante os meses frios do outono e do inverno e matou provavelmente 6
a 8 por cento dos doentes afetados.
A terceira decorreu de
fevereiro a maio de 1919.
Tratou-se de uma pandemia
gripal de virulência e agressividade raras. Matava rapidamente, por vezes em dois ou três dias, com dificuldade respiratória aguda e sintomas hemorrágicos. Era frequente a associação de infecções bacterianas graves.
(Continua)
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