GRIPE
PNEUMÓNICA
III
A
PENUMÓNICA EM PORTUGAL
Os portugueses poderiam mesmo chamar “espanhola” à gripe pneumónica. Os
primeiros casos ocorreram em maio de 1918, em Vila Viçosa. Foram trazidos de
Espanha por trabalhadores sazonais portugueses vindos de Badajoz e de Olivença.
A gripe espalhou-se
rapidamente pelo Alentejo. Chegou a Lisboa e ao Porto em junho. Em pouco tempo,
espalhou-se por todo o país.
Em setembro, instalou-se
na Madeira, levada por passageiros embarcados no navio Mormugão.
Atingiu no
mesmo mês os Açores, transmitida por doentes que seguiram, por mar, de Bordéus
para Ponta Delgada.
Quando ocorreram, em Vila Nova de Gaia, em agosto, alguns casos de
pneumonia fulminante, houve quem receasse estar a enfrentar um surto de peste
bubónica, de que havia memória recente. Ocorreu uma epidemia de peste, na
região, no final do século XIX. As autoridades sanitárias esclareceram que se
tratava de gripe, mas a população nada terá ganho com a troca.
Era o início da segunda
vaga de gripe. Durou poucos meses, mas acompanhou-se de uma taxa mortalidade que
chegou aos 6,6%.
Perante um flagelo que não entendiam, nem eram capazes de combater,
muitos portugueses refugiaram-se na religião e procuraram obter, como durante a
Idade Média, por meio de preces e procissões, o auxílio que as autoridades
sanitárias eram impotentes para proporcionar.
Segundo João Frada, os
concelhos da Região Norte foram relativamente poupados pela doença.
Por outro lado, as taxas
mais elevadas de mortalidade não se verificaram nos concelhos mais populosos do
continente. Benavente foi a povoação mais afetada pela epidemia, tendo morrido
sete por cento dos doentes atingidos. Entre as cidades, as mais afetadas foram
Covilhã e Leiria.
Foram, nessa altura,
ensaiadas as primeiras vacinas polivalentes.
Ricardo Jorge, diretor do
então Instituto Central de Higiene, teve um papel importante, ainda que nem
sempre consensual, no combate à gripe. Tornou obrigatória a notificação de
todos os casos, procurou impedir as movimentações das forças militares e as
migrações dos trabalhadores agrícolas sazonais e esforçou-se por conter os
aumentos dos preços dos medicamentos nas farmácias. Suspendeu as aulas e
proibiu as visitas aos hospitais. No entanto, as salas de espetáculos
continuaram a funcionar.
Em Lisboa, o Liceu Camões e o convento das Trinas foram transformados em
hospitais.
Como noutros países, as
crianças pequenas e os adultos jovens foram mais atingidos.
Segundo Helena Rebelo de
Andrade, a pandemia gripal encontrou Portugal a braços com uma crise
“económica, social, política e sanitária”.
O quadro clínico era semelhante aos das gripes dos nossos dias: febre,
cefaleias, mialgias, ardor faríngeo, rinorreia e, ocasionalmente, conjuntivite.
Na maioria dos casos, a doença evoluía bem e curava em 3 a 5 dias.
A complicação mais temida era a pneumonia primária, com expetoração
hemoptoica e espumosa. Provocava muitas vezes síndromes de insuficiência
respiratória aguda, matando o doente num dia ou em dois. Ocasionalmente, eram
invadidos outros órgãos e sistemas, surgindo miocardites, encefalites e,
provavelmente em associação com o uso de salicilatos, síndromas de Reye.
Neste gráfico, é bem claro o efeito da gripe pneumónica na evolução da
curva de mortalidade do nosso país.
Que conselhos se poderiam dar aos
doentes? Alguns são atuais hoje, como ficar em casa, repousar e adotar uma
dieta ligeira. Recomendavam-se caldos de galinha e gargarejos mentolados. A
febre era combatida com soluções de quinino e salicilatos. A tosse tratava-se
com xaropes de benzoato de sódio e de acetato de amónio. Nos casos mais graves,
recorria-se a injeções de soluções arsenicais, cafeína e adrenalina.
A desgraça estava à vista de todos. Saíam, cada dia, funerais da própria
rua e até da casa ao lado. A epidemia era transversal a todas as classes
sociais. Morriam padeiros, leiteiros, médicos e coveiros. Os sinos das igrejas
tocavam quase continuamente a finados.
A morte banalizou-se.
Faltavam os caixões e muitos corpos eram sepultados em valas comuns envoltos em
serapilheiras.
No nosso país, foram mais atingidos pela gripe as crianças com menos de dois anos de idade e os adultos jovens. Metade dos óbitos registou-se entre os 20 e os 40 anos de idade.
NÚMERO DE ÓBITOS EM PORTUGAL
(MILHARES)
JOÃO FRADA 60
JOSÉ MANUEL SOBRAL DE » 50 A » 100
WIKIPEDIA CERCA DE 120
O número de óbitos registado em Portugal
varia também, segundo as fontes, entre 50 e 120 mil. João Frade contabiliza
exatamente 60.174, mas poderão ter-lhe escapado inúmeros casos sem diagnóstico
ou com diagnósticos enganosos. Note-se que em 1918, os portugueses eram menos
de seis milhões.
Entre dezenas de milhar de desconhecidos, a gripe ceifou as vidas de várias personalidades com relevo na sociedade portuguesa.
Entre dezenas de milhar de desconhecidos, a gripe ceifou as vidas de várias personalidades com relevo na sociedade portuguesa.
O pintor Amadeu de Souza Cardoso
O suposto vidente de Fátima, Jacinto
Marto
O pianista e compositor António Fragoso
E, last
but not least, o fundador do Sporting, José Alvalade.
A
gripe pneumónica provocou uma crise demográfica grave no nosso país, com um
saldo negativo de 70.291 habitantes, só em 1918.
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