RELACÃO MÉDICO DOENTE
NA LITERATURA
PORTUGUESA
CAMILO CASTELO BRANCO
Camilo Castelo
Branco nasceu em Lisboa, em março de 1825 e faleceu em s. Miguel de Seide, em
junho de 1980. Chegou a estudar Medicina, tendo obtido aprovação nas cadeiras
de Anatomia e Química. Logo a seguir, desistiu do curso.
Camilo teve uma
vasta produção literária. A dada altura da sua vida, chegou a ser considerado
“o maior romancista de Península Ibérica”.
Por volta dos 40
anos, começou a queixar-se de diplopia e de cegueira noturna. Era a
neurosífilis, que lhe provocaria atrofia óptica e acabaria por o conduzir ao
desespero.
Escreveu a 13/3/1888:
Aqui esteve quatro horas o Dr. Gama Pinto, uma cara
inteligentíssima revelando um excelente coração. Conheceu rapidamente o meu
deplorável estado, e fez-me um bom discurso para me dar paciência e resignação
para a cegueira.
Caíram todos os meus castelos no ar
quando o médico, em vez de combater a minha cegueira, tratou de me armar de
paciência para tolerá-la. Fez-se na minha alma uma noite escura, que nunca mais
terá aurora.
Outro médico,
Ricardo Jorge (1858-1939) conheceu Camilo Castelo Branco em 1884. Segundo
Maximiliano de Lemos, “Ricardo Jorge era o médico mais talhado para prestar
cuidados a Camilo e para se impor ao seu espírito doente e torturado”.
O doente rebelde
aceitou a autoridade do seu novo clínico. No entanto, Ricardo Jorge não foi
apenas médico de Camilo. Tornou-se, também, seu amigo pessoal, tendo-o visitado
em Seide, na Póvoa, no Porto e em Lisboa. Ricardo Jorge colaborou ainda no
tratamento de Jorge, o filho louco de Camilo e, em 1886, facilitou o
internamento dele no Hospital Conde de Ferreira.
O insigne
higienista Ricardo Jorge foi também um homem de cultura. Publicou artigos de
jornal, críticas artísticas e literárias e poemas. Entre os seus escritos
contam-se “El Greco” (1912), “Ramalho” (1915), ”Contra um plágio do Prof.
Teófilo Braga” (1917), Francisco Rodrigues Lobo (1920), “Camilo e António
Aires” e o poema “As Comendas”. Ricardo Jorge chegou mesmo a pensar escrever
uma biografia de Camilo, mas não o chegou a fazer.
São raras as
fotografias em que Camilo figura acompanhado. Apresenta-se, numa, junto a Ana
Plácido e a um dos filhos. Na outra, mostra-se ao lado de Ricardo Jorge.
Camilo teve um fim de vida atribulado. Escreveu, em carta
não datada, ao Dr. Rebelo da Silva:
A minha agonia está sendo tão nova e
tão extraordinária que eu me considero nos últimos transes desta crudelíssima
vida.
No entanto, o sofrimento não lhe coartava o sentido de
humor. Escreveu a Trindade Coelho, a 9/7/1996:
Infelizmente, os jornais tratam da
minha saúde, ad libitum, fantasiosamente, como os médicos.
Raramente as
relações médico doente terão acabado tão mal como no caso de Camilo Castelo
Branco e do último oftalmologista que o observou.
A 21 de maio de 1890,
Camilo estava desesperado com a cegueira. Escreveu ao oftalmologista Edmundo de
Magalhães Machado, de Aveiro, pedindo-lhe que o salvasse. A 1 de junho, o
médico deslocou-se a Seide. Reconhecendo que o mal que afligia o escritor não
tinha cura, optou por o não desanimar frontalmente. Aconselhou-o a melhorar o
seu estado geral, para que os órgãos da visão se pudessem recompor.
Recomendou-lhe tratamentos com as águas do Gerez.
Camilo
compreendeu o recado. Enquanto Ana Plácido acompanhava o médico à porta,
desfechou um tiro de revólver na cabeça. Levaria cinco horas a morrer.
Texto retirado
do capítulo “Relação Médico doente na Literatura Portuguesa”, do livro a
integrar no Processo de candidatura da Relação médico doente a Património
Imaterial da Humanidade.
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