RELAÇÃO MÉDICO DOENTE
NA LITERATURA PORTUGUESA
JOSÉ
RODRIGUES MIGUÉIS
José Rodrigues
Miguéis nasceu em 1901 e viria a morrer em 1980. Descontente com o Estado Novo,
passou nos Estados Unidos da América mais de meia vida, tem-se mesmo
nacionalizado americano, em 1942. Posteriormente, viveu alguns períodos de
tempo em Portugal.
Na obra de cariz
autobiográfico “Um homem sorri à morte com meia cara” Migueis relata a sua
experiência pessoal quando, no ano de 1945, adoeceu e esteve internado durante
vários meses no serviço de neurologia de um hospital público de Nova Iorque, o
Bellevue. Terá sofrido de uma infeção no ângulo ponto-cerebeloso, provavelmente
em resultado de uma otite média crónica colesteatomatosa. Queixou-se de
cefaleias e alterações da visão, antes de lhe aparecer uma paralisia facial
esquerda.
Afirmou José Rodrigues Miguéis:
Procurei pintar um ambiente real: o dos
hospitais numa grande metrópole moderna onde a dor e a brutalidade, a doçura e
o humor, e em particular a devoção dos médicos e das enfermeiras põem traços de
tragédia e de epopeia, diante das quais o tema pessoal se apaga e some.
Não guardou, porém, boa memória dos médicos que o assistiram
no Hospital Bellevue. Escreveu:
Estava agora na presença de estranhos que nada sabiam de mim
nem tinham comigo nenhum laço, e para quem eu era apenas mais um caso de hospital,
um objeto de curiosidade clínica.
Eu não existia, era um feixe de
sintomas.
Rodrigues Miguéis encontrou, depois uma enfermeira
excecional:
Mrs. Abbey não me abandonou um só
instante. Inclinada para mim, sorria-me, falava-me como se fala a um bebé no
berço, friccionava-me, aconchegava-me melhor, dizia palavras animadoras. Que
solicitude e que brandura as desta mulher autoritária e brusca, e que
cordialidade a sua, após mais de quarenta anos de calejante profissão.
Mais adiante, corrigiu, em parte, a sua opinião sobre os
médicos:
Se, ao traçar alguns destes episódios, roço
aqui além pela ironia, é sempre com profundo respeito e comovida gratidão que
me refiro aos autênticos apóstolos da medicina que tenho conhecido. Os erros
são de todos nós, humanos, e não seria de esperar que deles estivessem isentos
os homens de bata branca. Nem de longe tentei reincidir na sátira de que há
milénios eles têm sido alvo.
Texto retirado
do capítulo “Relação Médico doente na Literatura Portuguesa”, do livro a
integrar o Processo de Candidatura da Relação Médico Doente a Património
Imaterial da Humanidade.
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