JOSEF MENGELE
Durante
a II Grande Guerra, Buenos Aires constituiu o principal ponto de apoio da
Alemanha nazi na América do Sul. Os serviços de espionagem alemães tinham
estabelecido ali um Quartel-general.
Perón
e os coronéis que, através de um golpe de estado, tomaram o poder no ano de
1943, tinham pretendido aliar-se ao Führer. Foi na capital argentina que se
organizou, em 1943, o derrube do governo boliviano pró-americano.
Perón
fora aluno de oficiais do exército alemão. Admirava os estrategas prussianos.
Mais tarde, deslumbrou-se com Mussolini. Durante perto de dois anos, foi adido
militar da embaixada argentina em Roma.
Já durante a guerra, após a invasão-relâmpago da Polónia, visitou Berlim e a frente Leste. Lera o Mein Kampf na juventude. Via a Alemanha erguer-se do novo. Os alemães trabalhavam em boa ordem, ao serviço de um Estado bem organizado.
De
regresso à Argentina, elaborou uma visão muito pessoal do conflito que assolava
o mundo. A Itália fascista e a Alemanha nazi constituíam uma alternativa válida
ao capitalismo e ao comunismo.
Após a derrota das potências que admirava, Juan Perón pôs-se a fazer
profecias. Contava que os soviéticos e os americanos se aniquilassem mutuamente
com armas atómicas. Era a oportunidade para um país da América do Sul se
afirmar no mundo.
Por volta de 1940, os argentinos orgulhavam-se de ter mais de metade dos telefones, televisores e linhas férreas da América do Sul. Aproveitando os vastos recursos naturais, eram o povo com melhor nível de vida a sul dos Estados Unidos. Detinham também as taxas mais elevadas de alfabetização.
Existia
na Alemanha uma pequena multidão de cérebros desempregados. Com a ajuda deles,
a Argentina poderia modernizar-se. Haviam de construir-se barragens, centrais
nucleares e mísseis. O seu país natal poderia converter-se numa superpotência.
Para
alimentar essa utopia, Perón criou em Buenos Aires o Gabinete de Informação,
dirigido por Rudi Freude, filho do rico banqueiro nazi Ludwig Freude, que
contribuíra decisivamente para que ganhasse as eleições presidenciais de 1946.
Foi organizada uma vasta rede de evacuação de criminosos de guerra europeus.
Alguns sectores da Igreja apoiaram-na; era preciso enfrentar o comunismo ateu.
Foi
assim que Perón abriu as portas a milhares de nazis, fascistas e
colaboracionistas; entraram na Argentina militares, engenheiros, cientistas,
técnicos, médicos e muitos criminosos de guerra. As ruas de Buenos Aires
encheram-se de reacionários vencidos. Poderiam ser úteis para desenvolver o
país.
Encontrava-se
ali o rebotalho da Europa. Para além de nazis alemães e de fascistas italianos,
havia oustachis croatas, ultranacionalistas sérvios e membros da Cruz Flechada
húngara. Juntavam-se-lhes vichyistas franceses, rexistas belgas, falangistas
espanhóis e católicos integristas.
Não era apenas o interesse em mão-de-obra
diferenciada que movia o governo peronista. A operação Aktion Feuerland
(operação Terra-do-Fogo) consistira no transporte por seis submarinos alemães
de um tesouro em divisas, ouro, platina, pedras preciosas e diamantes que foi
recolhido por quatro intermediários alemães (incluindo o banqueiro Ludwig
Freude) e depositado no Banco Germânico e no Banco Tornquist em nome de Eva
Duarte, mais tarde celebrada como Eva Perón. Todos esses intermediários
conheceriam mortes violentas, no decurso dos anos seguintes.
Foi
para a Argentina que Josef Mengele se dirigiu. Viajou com um passaporte falso
que tinha o nome de Helmut Gregor, a bordo do North King, onde seguiam
numerosos emigrantes e refugiados. Havia ali italianos, alemães e judeus. O
destino juntava sonhos díspares no mesmo convés.
Kurt,
o seu passador em Génova, garantira-lhe que um alemão estaria à sua espera no
cais, para o conduzir a casa de Malbranc, um antigo agente dos serviços de
contraespionagem nazis que lhe daria proteção. Ao desembarcar, Mengele verificou
que ninguém o aguardava. Juntou-se a dois calabreses e partilhou com eles um
quarto numa pensão barata.
De
manhã, tentou contactar Malbranc por telefone, mas não obteve resposta. Chamou
um táxi e dirigiu-se a casa do compatriota. Não estava lá ninguém.
Kurt
fornecera-lhe outro contacto: era Friedrich Schlottman, alemão proprietário de
uma empresa têxtil. Procurou-o. Ausentara-se e deveria tardar alguns dias.
Embora
trouxesse dinheiro que lhe permitiria pagar um hotel confortável, continuou na
companhia dos calabreses. Entendia-os mal, mas percebeu que eram veteranos
fascistas da conquista da Abissínia.
Mengele
contava da lista americana dos criminosos de guerra. A esposa, Irene, recusara
ir ter com ele à Argentina e ficara na Alemanha com Rolf, o filho de ambos. O
pai mal conhecia o pequeno Rolf. Foi informado de que Irene ia tendo as suas
aventuras.
Os
dólares que trouxera não iriam durar sempre. Precisava de um emprego. Estudou
cuidadosamente o mapa de Buenos Aires e forçou-se a aprender cada dia cem
palavras de espanhol.
Acabou por se aproximar da revista mensal ultrarreacionária Der Weg e foi conhecendo outros nazis. Aproximou-se de Josef Schwammberger, que dirigira campos de trabalhos forçados e exterminara vários ghettos na Polónia, e de Willem Sassen, um jornalista que se alistara como voluntário num grupo de SS holandeses. Batera-se na frente russa e penetrara no território soviético até ao Cáucaso, onde tinha sido ferido com gravidade. Fora preso na Holanda por colaboracionismo, mas conseguira fugir e tornara-se consultor de relações públicas do ditador Stroessner, do Paraguai.
Mengele
conheceu mais tarde o coronel Hans Ulrich Rudel, o ás dos ases da Luftwaffe, o
piloto mais condecorado da Alemanha. Cumprira 2530 missões, destruíra 532
tanques inimigos e afundara um cruzador e um couraçado. Apesar de ter ficado
sem uma perna, continuava a praticar alpinismo. A sua rede de influência iria
ajudar repetidas vezes os propósitos de Josef Mengele.
Mengele,
que se apresentava como Helmut Gregor, apenas se atrevia a revelar uma parte do
seu currículo de vida. Era Hauptsturmfuhrer (capitão). Filiara-se no partido
nazi em 1937, e na associação dos médicos nazis e nas SS um ano mais tarde.
Iniciara o serviço militar no Tirol, numa unidade de caçadores alpinos.
Alistara-se como voluntário nas Waffen-SS, e trabalhara no Gabinete Central de Repovoamento
e de Raça na Polónia ocupada. Após o desencadear da Operação Barbarrossa seguira
com a Divisão Viking. Estivera colocado na Ucrânia e participara na ofensiva do
Cáucaso, na batalha de Rostov do Don e no cerco de Bataisk. Fora agraciado com
a Cruz de Ferro de primeira classe.
O
tempo foi passando e Mengele adaptou-se a Buenos Aires, que era a cidade mais
avançada da América Latina. Tinha dezoito jornais diários, incluindo três em
língua alemã. Funcionavam ali quase meia centena de teatros, além do Teatro
Colón, dedicado à ópera e à música clássica.
No
entanto, a Argentina enfermava de graves problemas. Existiam diferenças
profundas entre os pobres, que eram a maioria, e a elite constituída pelos
grandes criadores de gado que governavam efetivamente o país. Na capital, quase
ao lado dos bairros ricos, pululavam as villas
miséria, bairros de lata que abrigavam em condições precárias meio milhão
de despojados da fortuna.
Mengele
precisava de garantir o seu sustento. Aceitou um emprego como carpinteiro no
bairro Vicente Lopez. Não se sabe como obteve as qualificações para o lugar.
Entretanto,
conseguiu contactar Gerard Malbranc, que o acolheu na sua luxuosa moradia, situada
num subúrbio elegante da capital argentina.
A
família que, no pós-guerra, continuava a prosperar em Günsburg, apoiava-o com generosos
envios de dinheiro. Mengele associou-se a outros antigos nazis. Compraram, em
conjunto, um laboratório farmacêutico. Os negócios começaram a correr bem.
Em
1952, Willem Sassen apresentou Josef Mengele a Adolf Eichmann. Viviam ambos na Argentina
com identidades falsas, mas o jornalista designou-os pelos nomes autênticos.
Os
dois criminosos nazis não gostaram um do outro.
Eichmann
considerava-se superior e era-o, seguramente, em termos históricos. Fora o
grande coordenador do Holocausto e privara com Himmler, Göring e Heydrich.
Conhecera demasiados oficiais superiores para ser capaz de dar importância a um
mero capitão médico.
Mengele
achou-o decadente, gordo e mal-arranjado. Ainda por cima, tinha a mão húmida e
não era capaz de dar um aperto firme. Por outro lado, Eichmann vivia
pobremente, enquanto Mengele continuava a ser apoiado pela sua próspera
família.
De vez
em quando, o antigo médico de Auschwitz abria uma parte do coração aos amigos alemães.
Gostava de contar como socorrera dois membros da tripulação de um tanque em
chamas. Lamentava a sorte, o exílio, a pátria ocupada e as saudades do
uniforme.
Josef
Mengele teria as suas fraquezas, mas era dado mais ao ódio de que ao amor.
Nunca
o dissera a pessoa alguma, mas detestava a mãe, quase desde que deixara de
mamar. Com os anos e com o exílio, o seu coração não tinha amolecido. Havia
poucas pessoas no mundo a quem dedicasse um carinho verdadeiro. Quando soube da
morte do seu irmão Karl, quase se alegrou.
O
divórcio de Irene fora uma golpada funda no seu orgulho. Restava-lhe seguir em
diante e aproveitar da vida o que ela tivesse para lhe dar.
Em
1953, Perón escapou por pouco a um atentado. A Argentina entrou numa prolongada
crise financeira. A inflação agravou-se, reduzindo os salários reais dos
trabalhadores. Após a morte de Evita, cujo corpo fizera embalsamar, el líder perdera o norte. Comia
demasiado e organizava orgias com raparigas muito novas. Deixou-se engordar.
Passara a ser chamado el Pocho, o
gordo.
Em junho
de 1955, rebentou uma rebelião militar contra o seu governo. Perón ainda
aguentou esse primeiro assalto, mas a igreja retirara-lhe o apoio. Não
admirava: Juan Perón legalizara o divórcio e a prostituição e permitira a
instalação de diversas seitas religiosas no país. Havia padres presos e igrejas
saqueadas.
A 16
de setembro, a Marinha de Guerra, liderada pelo almirante Isaac Rojas, bloqueou
Buenos Aires. Perón demitiu-se e refugiou-se no Paraguai. Depois de algumas
semanas de confusão, o poder ficou nas mãos do general Aramburu que procurou
riscar da memória dos argentinos os inúmeros testemunhos do consulado de Perón.
Com o
eclipse do seu protetor, os nazis perderam o conforto de que gozavam na
Argentina. Muitos começaram a pensar instalar-se no Paraguai.
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