PAI E FILHO
O senhor Filipe (o nome verdadeiro é outro) teria cerca de 25
anos quando foi internado no Serviço de Neurocirurgia do Hospital dos Capuchos.
Vinha da Urgência de S. José, onde fora admitido na véspera por hematoma
intracerebral espontâneo.
A anamnese não forneceu dados relevantes e a angiografia não
mostrou sinais de anomalia vascular.
Os hematomas temporais têm má fama. Quando o efeito de massa
aumenta, leva ao encravamento rápido do uncus
e ao coma muitas vezes irreversível. Este era do lado direito e não se
acompanhava de alterações do estado de consciência nem de défices neurológicos
aparentes. Resolvi intervir e conversei com o doente para obter o seu consentimento.
Olhou-me com olhos de carneiro que vai para a degola, mas aceitou a operação.
A cirurgia foi simples e a recuperação rápida. Os exames
neurorradiológicos de controlo foram normais. Aos sete dias, dei-lhe alta e
passei a segui-lo em consulta externa.
Apesar de casado, vinha sempre acompanhado pela mãe, com quem
tinha uma ligação muito forte. Os testes neuropsicológicos detetaram um
compromisso da memória recente que, a perdurar, iria comprometer a sua atualização
profissional. Estava deprimido e teve de ser medicado nesse sentido.
Apenas na segunda consulta entendi a razão de ser da sua
falta de esperança. O homem estava à espera da morte e não acreditava nas
minhas palavras quanto ao prognóstico. Achava que eu mentia para o não
assustar. Lá me revelou um facto que ocultara na anamnese de entrada: o pai
fora operado por mim de glioblastoma cerebral anos antes e falecera em menos de
um ano. Contava ter o mesmo destino.
Passou muito tempo, mas ainda aparece na minha consulta
de vez em quando. Nunca perdeu o olhar triste.
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