BOCAGE, MOLIÈRE E OS MÉDICOS
Estando a preparar um pequeno estudo sobre Bocage,
tive oportunidade de rever parte da obra do poeta setubalense. Tropecei numa série
de curtos poemas satíricos apontados aos médicos. Eis um deles:
Aqui jaz um homem rico
nesta rica sepultura:
escapava da moléstia,
se não morresse da cura.
Lembrei-me de Molière (1622-1673).
O comediante sofreria duma forma crónica de tuberculose pulmonar que o obrigaria a consultas médicas repetidas durante as quais teria podido observar a conduta profissional dos clínicos da época e constatar as limitações das terapêuticas prescrita. Ridicularizou-os em diversas peças de teatro.
O comediante sofreria duma forma crónica de tuberculose pulmonar que o obrigaria a consultas médicas repetidas durante as quais teria podido observar a conduta profissional dos clínicos da época e constatar as limitações das terapêuticas prescrita. Ridicularizou-os em diversas peças de teatro.
Os médicos tinham grande visibilidade social e expunham-se facilmente a críticas e sarcasmos. Constituíam uma classe profissional bem diferenciada, com formação universitária. Vestiam de forma especial e comunicavam mediante uma linguagem técnica repleta de expressões latinas incompreensíveis para o doente comum.
As possibilidades terapêuticas eram limitadas. Constavam de sangrias, clisteres, purgas, vomitórios e aplicações de ventosas, complementados com uma grande variedade de poções, xaropes e unguentos, associadas a prescrições dietéticas.
As possibilidades terapêuticas eram limitadas. Constavam de sangrias, clisteres, purgas, vomitórios e aplicações de ventosas, complementados com uma grande variedade de poções, xaropes e unguentos, associadas a prescrições dietéticas.
Ao longo dos séculos XVII e XVIII, curavam-se as doenças que tinham evolução espontânea favorável e alguns padecimentos cirúrgicos. Não raras vezes, a agressividade terapêutica agravava a enfermidade. Lembre-se a cena final de «O doente imaginário», com a imposição do barrete e da toga a Argan. «Com este barrete, venerável e douto, dou-te a virtude e o poder para medicar, purgar, sangrar, abrir, cortar e matar de modo impune em todo o mundo.» Curiosamente, os clínicos pareciam formar boas imagens deles próprios e tratavam os doentes com alguma sobranceria.
No começo do século XVII, a
medicina começou a libertar-se da prolongada herança galénica. Aos grandes
estudos anatómicos renascentistas, seguiram-se avanços fisiológicos que
incluíram o entendimento da grande circulação.
O conhecimento da fisiologia da
respiração teria de esperar pela descoberta do oxigénio por Lavoisier, no
século XVIII.
A invenção do microscópio permitiu a identificação dos glóbulos vermelhos, bactérias e protozoários e deu oportunidade ao fisiologista Malpighi de estudar a histologia de vários órgãos.
A invenção do microscópio permitiu a identificação dos glóbulos vermelhos, bactérias e protozoários e deu oportunidade ao fisiologista Malpighi de estudar a histologia de vários órgãos.
Seguiu-se Morgagni, criador da Anatomia Patológica, que ajudou a localizar as doenças em órgãos específicos. Poucos anos volvidos, Bichat entendeu que as doenças se instalavam em tecidos e não em órgãos inteiros.
Os meios de diagnóstico também se
foram aperfeiçoando. Thomas Willis identificou a presença de açúcar na urina de
diabéticos.
Boerhaave adaptou o termómetro à prática clínica e Laennec inventou o estetoscópio.
Boerhaave adaptou o termómetro à prática clínica e Laennec inventou o estetoscópio.
A terapêutica médica conheceu
avanços decisivos.
Muitos deles tiveram origem na
Inglaterra. Thomas Sydenham propôs a utilização da casca de chinchona, que
continha quinina, para tratar o paludismo.
O cirurgião naval James Lind demonstrou que os citrinos curavam o escorbuto, uma doença devastadora nas viagens navais de longa duração.
William Withering, método e botânico, adaptou a digitalis (extraída da planta dedaleira) ao tratamento da insuficiência cardíaca.
Foi ainda um inglês, Edward Jenner, quem popularizou a vacina contra a varíola.
O cirurgião naval James Lind demonstrou que os citrinos curavam o escorbuto, uma doença devastadora nas viagens navais de longa duração.
William Withering, método e botânico, adaptou a digitalis (extraída da planta dedaleira) ao tratamento da insuficiência cardíaca.
Foi ainda um inglês, Edward Jenner, quem popularizou a vacina contra a varíola.
A Medicina evoluía e tornava-se
eficaz. Foi, entretanto, lenta a aplicação dos avanços científicos à prática
clínica. Lembremos que William Harvey se queixou de ter perdido doentes depois
de publicar o resultado dos seus estudos sobre a circulação sanguínea.
Muitos clínicos resistiram à
introdução de ideias novas. As práticas tradicionais não deixavam de ser
seguidas. A sífilis, por exemplo, continuava a ser tratada com doses eventualmente
fatais de mercúrio, enquanto a «teriaga» de Galeno, que se compunha de mais de
setenta ingredientes e tratava quase tudo, para além de neutralizar a maioria
dos venenos, era preparada correntemente nas farmácias. A prática da sangria
foi corrente na Europa durante o século XIX.
Ouçamos agora Manuel Maria Barbosa du
Bocage:
Lavrou chibante receita
um doutor com todo o esmero;
era para certa moça
que ficou sã como um pêro.
«Tão cedo! É milagre!» (assenta
a mãe, que de gosto chora).
─ «Minha mãe, não é milagre,
Deitei o remédio fora».
Homem de génio impaciente,
tendo uma dor infernal,
pedia para matar-se
um veneno ou um punhal.
«Não há (lhe disse o vizinho
velho, que pensava bem)
não há punhal nem veneno;
mas o médico aí vem.
Muitas vezes, as críticas teriam
razão de ser. Lembro uma frase que o Dr. Valadas Preto (em cujo Serviço fiz
parte do Internato Geral) gostava de repetir, em situações em que o doente
melhorara espontaneamente, ou mesmo contra os efeitos das prescrições clínicas:
«Graças à sábia medicação instituída…»
Excelente trabalho estimado Amigo!
ResponderEliminarAbraço! Obrigado!
Vou usar Bocage, referenciando-o , obviamente!