HISTÓRIA
DA CIRCULAÇÃO SANGUÍNEA
V
WILLIAM HARVEY E A GRANDE CIRCULAÇÃO
William
Harvey nasceu em 1578 e faleceu em 1657. Fez os primeiros estudos em Folkstone,
a sua terra natal, e mudou-se depois para Cantuária, onde frequentou a escola
real. Aos quinze anos, transferiu-se para Cambridge, onde estudou durante meia
década. A seguir, viajou pela Europa. A partir de 1599, frequentou a Universidade
de Pádua, sob a orientação de Fabrício de Acquapendente e formou-se em Medicina
aos 24 anos. Note-se que a Universidade de Pádua, a mais prestigiada Escola
Médica da altura, está presente em todos os artigos desta pequena série. O nome
de Fabrício ficou associado à descoberta das válvulas venosas cuja existência fora
descrita pelo nosso Amato Lusitano 24 anos mais cedo.
Feito
médico, Harvey regressou a Cambridge onde obteve o doutoramento. Estabeleceu-se
a seguir em Londres e entrou para o Colégio dos Médicos. Iria trabalhar no
Hospital de S. Bartolomeu durante quase toda a vida. O seu prestígio e o
casamento com a filha do doutor Lancelot Brown, médico da rainha Isabel e de
James I valeram-lhe a nomeação como médico do rei James I. Morto este, passou a
tratar o novo rei Carlos I.
A
reflexão sobre os conhecimentos anatómicos reunidos ao longo dos dois séculos
anteriores e a o começo do entendimento de alguns mecanismos fisiológicos do
corpo humano permitiram a William Harvey dar início às investigações que
culminaram, em 1628, com a descrição da grande circulação sanguínea.
Andrea
Cesalpino já se tinha apercebido de que o movimento do sangue nas veias se
fazia sempre da periferia para o coração, enquanto o circuito essencial da
pequena circulação fora desvendado pelos trabalhos de Ibn al-Nafis e
publicitado por Miguel Servet e Realdo Colombo.
William
Harvey fez muitas autópsias humanas e animais, mas compreendeu cedo que havia
pouco a aprender no estudo de cadáveres, uma vez que o sangue se movimentava
apenas em organismos vivos. Observou sistematicamente, à lupa, os batimentos
cardíacos de uma série de pequenos animais, entre os quais se incluíam
caracóis, moscas e camarões. Escreveu: «se os anatomistas fossem tão versados
na dissecção de animais inferiores como o são no corpo humano, muitas coisas
que até hoje os deixam perplexos seriam compreendidas sem dificuldades».
Julgou-se,
durante séculos a fio, que o sangue tinha uma existência muito curta, formando-se
no fígado para se extinguir rapidamente nos órgãos periféricos. Foi Harvey quem
postulou que a sua existência era, afinal, relativamente prolongada. O médico
inglês calculou a quantidade de sangue expelido diariamente pelo ventrículo
esquerdo. Mesmo fazendo as contas muito por baixo, chegou às centenas de
litros. Nunca o fígado seria capaz de produzir tamanha quantidade de sangue. O
sangue contido nas artérias e veias tinha a mesma origem, não sendo produzido em
partes diferentes do corpo humano. O sangue arterial não era consumido na
periferia, mas regressava pelas veias ao coração para voltar a circular por todo
o organismo. Os ventrículos contraíam-se quase ao mesmo tempo, expelindo o
sangue para a aorta e para a artéria pulmonar. Todo o sangue do ventrículo
direito seguia para os pulmões, regressando, pelas veias pulmonares, ao
ventrículo esquerdo.
Em
1628, Harvey publicou a monografia Exercitatio anatomica de motu cordis et
sanguinis in animalibus que ficou conhecida pela abreviatura «De motu cordis» e
revolucionou as bases em que a Medicina assentara durante mais de um milénio. O investigador escolheu
a Feira do Livro de Frankfurt, para lançar a sua obra. O seu reconhecimento foi
imediato, assim como o escândalo que despertou. Um grande número de médicos
conhecidos apressou-se a expressar o desagrado pela nova teoria e houve quem o
chamasse charlatão. A sua reputação profissional foi afetada negativamente e um
número apreciável dos seus doentes abandonou-o.
No
entanto, Harvey utilizara o método experimental, que se havia de impor mais
tarde na investigação científica. Qualquer ideia nova deveria mostrar a sua
validade sujeitando-se à experimentação. As suas experiências foram repetidas
por terceiros e a verdade veio ao de cima. Diz Namora que «William Harvey foi
dos raros génios da Medicina que assistiram á consagração da sua obra».
Harvey
foi contemporâneo de Shakespeare e de Descartes. Shakespeare escreveu o Hamlet enquanto
Harvey estudava em Pádua.
René Descartes entusiasmou-se com a descoberta da circulação do sangue e publicitou-a nos seus livros As Paixões da Alma e o Discurso do Método. A noção de «espírito», tão cara aos antigos, foi reformulada por Descartes: «porque o que eu chamo espíritos não é mais do que matéria, com a particularidade única de ser constituído por corpos muito pequenos que se movem muito depressa.»
René Descartes entusiasmou-se com a descoberta da circulação do sangue e publicitou-a nos seus livros As Paixões da Alma e o Discurso do Método. A noção de «espírito», tão cara aos antigos, foi reformulada por Descartes: «porque o que eu chamo espíritos não é mais do que matéria, com a particularidade única de ser constituído por corpos muito pequenos que se movem muito depressa.»
Fontes:
Barradas, Joaquim. A arte de Sangrar de cirurgiões e
barbeiros. Livros Horizonte, Lisboa, 1999.
Gutiérrez, F. A dissecção no Islão e no ocidente cristão na
Idade Média. 22/agosto/2010, Terceira cultura (Internet).
Namora, F. Deuses e Demónios da Medicina. Publicações Europa
América, Lisboa, 1968.
Vários. Wikipedia, Internet.
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