DE HUMANIS CORPORI FABRICA
UMA INTRODUÇÃO À OBRA DE VESÁLIO
III
A Fabrica representa, para alguns historiadores, o início da Medicina moderna. Quando a fez publicar, André Vesálio tinha 29 anos. Durante o resto da sua vida, o grande anatomista pouco mais produziu.
A Fabrica representa, para alguns historiadores, o início da Medicina moderna. Quando a fez publicar, André Vesálio tinha 29 anos. Durante o resto da sua vida, o grande anatomista pouco mais produziu.
Que razões o terão
convencido a investir tanto nesse projecto? Que causas o terão levado a
abandonar tão cedo a investigação científica e a carreira universitária para se
tornar médico da corte?
Não se conhecem todos os
motivos.
O próprio Vesálio refere alguns
deles. Escreveu que a Medicina constava de três partes: medicamentos, dieta e o
«uso das mãos». Ao falar das mãos, referia-se obviamente à prática cirúrgica,
para a qual os conhecimentos de anatomia tinham uma importância determinante.
André Vesálio pesquisou e fez desenhar gravuras anatómicas que proporcionassem
aprendizagem mesmo aos que não tinham acesso à disseção de cadáveres.
A meu ver, Vesálio queria ser médico. Pretendia tratar doentes. Poderia, contudo, ter feito isso em Pádua.
A meu ver, Vesálio queria ser médico. Pretendia tratar doentes. Poderia, contudo, ter feito isso em Pádua.
O anatomista deu precocemente conta dos erros que enfermavam a obra de Galeno. Claudio Galeno foi um
grande médico e um grande cirurgião. Os seus seguidores, em vez de se inspirarem na sua
capacidade de recolher informações por observação directa, fizeram dos seus
ensinamentos «bíblia». As suas obras, traduzidas em hebraico e árabe e
retraduzidas para latim, foram praticamente incontestadas durante os treze
séculos que decorreram entre a sua morte e o nascimento de Vesálio. Para que se
desse a evolução nos conhecimentos médicos, era necessário romper com o
passado. Tornava-se indispensável criticar Galeno. Era tempo de substituir os
dados (tantas vezes falsos), recolhidos das dissecações de animais diversos,
pelo estudo directo da anatomia humana.
Era o espírito científico
a desabrochar. André Vesálio descreveu estruturas antes desconhecidas e
corrigiu erros assumidos como verdades havia séculos. Enganou-se algumas vezes,
como era natural. As suas imperfeições seriam corrigidas progressivamente pelos anatomistas que se lhe seguiram, como Realdo Colombo, Gabriele Falloppio, Fabricio d`Acquapendente e Bartolomeo Eustáquio.
Realdo Colombo
Pensou preparar um livro de Anatomia em parceria com Miguel Ângelo
Eustáquio
De certo modo, foram todos «anões aos ombros dum gigante».
A publicação da Fabrica foi dispendiosa e o salário dum jovem professor da
Universidade de Pádua não seria suficiente para um projecto desse fôlego. A
imprensa contava com pouco mais de meio século de existência e era cara. As
xilografuras de elevada qualidade terão custado a André Vesálio os olhos da
cara. Não consta que se tenha endividado. Vesálio provinha duma família de
médicos e farmacêuticos. O pai trabalhara na corte do imperador Carlos V. O
anatomista teria fortuna pesoal. Parte dela terá sido consumida na publicação
da Fabrica.
Embora pareça redutor
considerar o livro De humanis corporis
fabrica apenas como um investimento visando compensações futuras,
profissionais e económicas, o desejo de promoção pessoal não deve ser relegado
para lugar secundário na motivação das grandes obras humanas. André Vesálio
pretendia reconhecimento e proveito. O ensino de Anatomia e Cirurgia na
Universidade mais importante do mundo dar-lhe-ia certa visibilidade, mas é
provável que o cargo de médico da corte do imperador fosse, na época, o emprego
mais apetecível para um médico ambicioso.
Os ensinamentos de Andreas
Vesalius Bruxelliensis influenciaram a prática cínica de todos os médicos que
trabalharam no meio milénio que se seguiu. Incluo-me, obviamente, entre eles e
presto homenagem humilde à sua obra imperecível. Sou, contudo, obrigado a supor
que a História da Medicina moderna teria começado mais cedo se os trabalhos
anatómicos de Leonardo da Vinci tivessem sido publicados.
Lembro que Leonardo
efectuou as suas últimas disseções em cadáveres humanos em 1514, o ano do
nascimento de Vesálio.
Texto rico, com preciosas informações e observações. Parabéns.
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