HOSPITAIS -BARRACA
A Anestesia propriamente
dita não foi a única preocupação do historiador médico Joaquim Figueiredo Lima.
Obviamente, a Anestesia não se desenvolveu de forma isolada e esteve ligada,
desde o início, à Cirurgia, à Obstetrícia e, também, à Estomatologia. As
condições em que os doentes eram anestesiados e operados e, por conseguinte, a
assepsia, a antissepsia e a conceção das edificações hospitalares representam
uma preocupação constante do autor, expressa num número significativo das
páginas do seu livro.
Como foi dito
anteriormente, o trabalho de Figueiredo Lima assenta nas Teses de Dissertação
Inaugural de alunos finalistas das Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e do Porto,
no final do sec. XIX e no início do sec. XX.
Em 1867, José Victorino de
Sousa Albuquerque dissertou sobre as condições higiénicas do Hospital de Santo
António do Porto, com relação às operações de grande cirurgia. Afirmou, a dada
altura:
As
bases sobre as quais devem assentar a forma dos hospitais encontram-se nas
seguintes palavras de Trelat: «É preciso que tudo esteja disposto para a livre
e abundante circulação de ar; que os ventos varram as superfícies de construção,
que não encontrem nem ângulos nem partes reentrantes, e que o sol possa
penetrar na totalidade das salas espaçosas e completamente separadas umas das
outras, para não constituírem focos de infeção recíproca.
Albuquerque escreve, mais
adiante, referindo-se à enfermaria: «A
ventilação lá é impossível, porque, abertas as janelas que comunicam com a
arcaria, o ar pode entrar, mas não tem por onde estabelecer corrente, por não
haver em nenhuma das paredes opostas abertura para a sua saída. Em frente da
entrada para esta enfermaria está o quarto chamado de operações, apenas
separado daquela por uma pequena casa escura e imunda onde estão as latrinas,
que muitas vezes lançam para a enfermaria um cheiro insuportável.
Mais à frente, José
Albuquerque resume os resultados das más condições cirúrgicas: «Das amputações da coxa não nos consta que
uma só tenha vingado, sendo tal o receio destes resultados que só se praticam
tais operações quando a inevitabilidade da morte é reconhecida não se
operando».
Dez anos mais tarde (em 1877)
José Dias de Almeida Júnior, que viria a ser cirurgião, pediatra, Lente da
Escola Médico-Cirúrgica e Diretor do Hospital de Santo António, volta a
sublinhar a questão do arejamento e critica duramente as condições higiénicas
do hospital: «Pelo que diz respeito ao
sistema de despejos, nós já aludimos a ele em algumas partes; para provar as
suas más condições basta dizer que, no centro de cada uma das novas enfermarias
de mulheres, há uma latrina, onde a limpeza não pode ser bem mantida, porque
lhe falta a grande abundância de água que seria necessária; que não há a
desinfeção tão aconselhada hoje e que tão bons resultados tem dado».
No espaço de tempo mediado
entre as teses de Sousa Albuquerque e de Almeida Júnior acontecera, nos Estados
Unidos da América, a Guerra da Secessão. Tornara-se necessário tratar os
feridos na proximidade dos campos de batalha. Para os abrigar, montavam-se, lado
a lado, pequenas barracas de madeira. Verificaram-se reduções surpreendentes nas taxas de mortalidade e morbilidade, em comparação com registadas nos hospitais tradicionais.
Por indicação de Virchow,
o projeto foi recuperado durante a guerra franco-prussiana (1870-1971) e os
resultados voltaram a ser animadores. Em 1871, o Correio Médico de Lisboa propôs
a construção de hospitais barracas para prevenir as infeções hospitalares. A
ideia foi apresentada, no mesmo ano, à Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa.
José de Almeida Júnior, na
terceira parte da sua tese, defendeu a construção de hospitais barracas para a
prática de cirurgia. Escreveu:
Os
hospitais barracas fizeram a sua prova como hospitais de guerra; como hospitais
civis a sua carreira não tem sido menos brilhante.
A
separação, o espalhamento dos doentes é o único meio de evitar os efeitos
perniciosas da acumulação.
Constituídos
por pavilhões isolados, cada um com a sua atmosfera própria, suficientemente
separados entre eles, colocam os doentes em ótimas condições. Podem-se
multiplicar os pavilhões que se não altera significativamente a salubridade do
conjunto.
A ideia da dispersão das construções
hospitalares, compostas por diversos pavilhões em lugar duma construção monolítica
vingou, durante algum tempo. O exemplo dessa conceção vê-se ainda hoje, em
Lisboa, no Hospital que tem o nome de Curry Cabral e foi construído entre 1902
e 1904.
Hospital de Curry Cabral
Mais tarde, o progresso da
engenharia de construção hospitalar iria permitir melhorar as condições de
higiene dos edifícios e os grandes hospitais de Lisboa, Porto e Coimbra foram
sendo inaugurados entre 1953 e 1987.
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