QUEBRANTO
O “quebranto”, ou “olhado”
é uma entidade mais fácil de delimitar que o “ar”, a “espinhela caída” ou o “cobrão”
e tem como única etiologia conhecida o mau-olhado, motivado geralmente por
sentimentos de inveja.
Segundo o Dicionário de
Bluteau, escolhido por ter sido publicado durante o período de vigência do
estudo de José Paiva e também pela sua riqueza descritiva, olhado, quebranto e fascinação são três nomes que significam o mesmo.
Olhado denota a causa, quebranto denota o efeito e fascinação significa uma e
outra coisa… Entre os muitos sintomas que causa, é notável o quebrantamento,
pouco vigor e grande lassidão de todo o corpo, donde nascem grandes desejos de
estar deitado, suspiros longos, bocejos muitos, apertos do coração,
aborrecimento a todo o comer, as cores do rosto mudadas, a cabeça descaída, o
rosto triste…
O conjunto dos sintomas
configura um estado depressivo. Para o tratamento, ouçamos dois relatos de José
Pedro Paiva.
Martinho Afonso, de
Anobra, mais tarde preso pelo Santo Ofício, curava o quebranto proferindo as
palavras seguintes: Eu te benzo em nome
de Deus, em nome de Jesus, a hora em que Deus nasceu, meu Senhor Jesus Cristo,
eu ponho minhas mãos vós ponde Vossa Divina virtude, Santa Eusébia pariu Santa Ana,
Santa Ana pariu a Virgem, a Virgem pariu Jesus Cristo, assim como estas
palavras são santas verdades, assim vós meu Senhor Jesus Cristo, este mal, este
olho, este quebranto seja fora do corpo e das ilhargas e de todos os membros deste
pecador. Em seguida rezava três Padres-nossos e idêntico número de Ave
Marias em honra da Santíssima Trindade, com o que, segundo ele, melhoravam os
enfermos.
Maria Antunes, viúva, de
trinta e três anos, moradora no Pedrógão Grande tomava sete brasas que fizera
das palhas duma vassoura com que varria a casa e as lançava numa tigela com
água, dizendo: dois to deram, três to
tiraram e ia lançando as brasas até fazer o dito número; rezava cinco
Padre-nossos e cinco Ave Marias em louvor das chagas de Nosso Senhor Jesus
Cristo e dava a beber ao doente três golos da água da tigela e depois disso lhe
dava três voltas ao redor da cabeça e tomava a dita água e a lançava para trás
do lume.
José Pedro Paiva comenta o
significado simbólico desta prática. Dois olhos foram os que deram o quebranto
e três as pessoas da Santíssima Trindade que os tiraram; a vassoura é um
instrumento de poder sagrado, na medida em que serve para limpar; as cinzas
transportam o valor residual deste caráter sagrado; a água tem um caráter purificador
e regenerador; os círculos em volta da cabeça visavam preservar o corpo dos
malefícios do olhado e o ritual de lançar a água para um local por onde se não
passasse simbolizava a retenção dos poderes maléficos no instrumento de cura,
que deveria ser colocado num local inacessível, para que o mal se não repetisse.
Na Internet, encontram-se
inúmeros artigos sobre o quebranto e os modos de o combater. São descritos
métodos de confirmar o diagnóstico, sobretudo em crianças, em que a semiologia
é mais pobre. Eu assisti a um, em Coimbra, há cinquenta anos. Os que são
repetidamente descritos na Net são semelhantes ao que presenciei. Deita-se água
num prato e deixam-se depois escorrer cinco pingos de azeite. Se o azeite se
juntar numa só bolha, estará tudo bem. Se o azeite continuar separado, há
quebranto e deve ser tratado.
Na terapêutica e prevenção,
para além das rezas, recorre-se ao uso de amuletos conhecidos, como as figas,
as patas de coelho, os olhos turcos e as ferraduras. Há quem coloque determinados
cristais nos aposentos. Nos rituais de tratamento entram muitas vezes os ramos
de arruda e de rosmaninho.
Curiosamente, para quem
acredita nele, o olhado não atinge apenas humanos. Animais que perdem a
vivacidade e esmorecem e plantas que murcham sem causa aparente podem também
ser vítimas do malefício.
Fontes:
Bluteau, Raphael. Vocabulario
português e latino. Coimbra, Colégio das Artes da companhia de Jesus, 1712 –
1728.
José Pedro Paiva. Práticas e crenças mágicas. O medo e a
necessidade dos mágicos na Diocese de Coimbra (1650 – 1740). Minerva Histórica,
Coimbra, 1992.
Internet.
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