Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019



         RELAÇÃO MÉDICO DOENTE


             NA LITERATURA PORTUGUESA


                     MÁRIO CLÁUDIO




Mário Cláudio nasceu no Porto em 1941. Licenciou-se em Direito e estudou Artes em Londres. Dedicou-se ao romance, à poesia, ao teatro, ao ensaio e à literatura infantil, tendo publicado meia centena de títulos.
No romance “Gémeos”, uma espécie de biografia paralela, cria uma interação com a vida e a obra do pintor espanhol Francisco Goya.
Mário Cláudio nunca lhe pronuncia o nome todo. Trata-o por “Dom Francisco” e acompanha-o ao longo dos últimos anos de vida, a época em que Goya criou as “Pinturas Negras”, catorze quadros a óleo traçados diretamente nas paredes de duas salas da sua Quinta del Sordo, junto ao rio Manzanares.


O médico Arrieta é o último amigo de Dom Francisco. Doente e sentindo-se ameaçado, o pintor fecha-se no quarto e não quer sair da cama. É Arrieta quem traz a esperança de volta à sua vida.
Estabelecem-se, entre ambos, laços de confiança e amizade: o médico prestava-me a atenção que eu não discernia em mais ninguém.
Como forma de gratidão, Dom Francisco decide pintar Arrieta, ao lado do seu último autorretrato. 
E pintei-o enfim, amparando-me num quase abraço, quando me acamava ainda, e arrepanhava eu o lençol no convulso gesto dos agonizantes, e me chegava ele amorosamente o copo de soluto, e hesito entre a vontade que me assistia, se a de beber o remédio que me ganharia a cura, se a de permanecer sob a proteção de quem me interpelava.

Texto retirado do capítulo “Relação Médico doente na Literatura Portuguesa”, do livro a integrar no Processo de candidatura da Relação médico doente a Património Imaterial da Humanidade.

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