RELAÇÃO MÉDICO DOENTE
NA LITERATURA PORTUGUESA
MÁRIO CLÁUDIO
Mário
Cláudio nasceu no Porto em 1941. Licenciou-se em Direito e estudou Artes em
Londres. Dedicou-se ao romance, à poesia, ao teatro, ao ensaio e à literatura
infantil, tendo publicado meia centena de títulos.
No
romance “Gémeos”, uma espécie de biografia paralela, cria uma interação com a
vida e a obra do pintor espanhol Francisco Goya.
Mário
Cláudio nunca lhe pronuncia o nome todo. Trata-o por “Dom Francisco” e
acompanha-o ao longo dos últimos anos de vida, a época em que Goya criou as
“Pinturas Negras”, catorze quadros a óleo traçados diretamente nas paredes de
duas salas da sua Quinta del Sordo, junto ao rio Manzanares.
O
médico Arrieta é o último amigo de Dom Francisco. Doente e sentindo-se
ameaçado, o pintor fecha-se no quarto e não quer sair da cama. É Arrieta quem
traz a esperança de volta à sua vida.
Estabelecem-se,
entre ambos, laços de confiança e amizade: o
médico prestava-me a atenção que eu não discernia em mais ninguém.
Como forma de gratidão, Dom Francisco
decide pintar Arrieta, ao lado do seu último autorretrato.
E
pintei-o enfim, amparando-me num quase abraço, quando me acamava ainda, e
arrepanhava eu o lençol no convulso gesto dos agonizantes, e me chegava ele
amorosamente o copo de soluto, e hesito entre a vontade que me assistia, se a
de beber o remédio que me ganharia a cura, se a de permanecer sob a proteção de
quem me interpelava.
Texto retirado
do capítulo “Relação Médico doente na Literatura Portuguesa”, do livro a
integrar no Processo de candidatura da Relação médico doente a Património
Imaterial da Humanidade.
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