RELAÇÃO MÉDICO-DOENTE
NA LITERATURA PORTUGUESA
EPÍLOGO
Sendo médico e
escritor, ainda que distante do fulgor das figuras que referi, terei o dever de
deixar aqui, também, o meu contributo para o tema que aceitei abordar.
Nasci em
Almendra (Foz Coa) em 1943. Pelos seis anos, acompanhei a minha família que se
estabeleceu na cidade de Sá da Bandeira (Lubango), no sul de Angola. Aos 17,
mudei-me para Coimbra, onde estudei Medicina. Cumpri o serviço militar como
médico da Reserva Naval, a bordo do navio hospital Gil Eannes. Sou
neurocirurgião aposentado e fiz toda a minha carreira profissional nos
hospitais de S. José e dos Capuchos.
Publiquei 14
livros, divididos entre o romance, o conto, a biografia e o ensaio.
Escrevi, no artigo “O Médico do Futuro”, publicado
recentemente na Revista da Ordem dos Médicos:
Mesmo com tecnologias novas e revolucionárias, a natureza
humana não mudará e será bom tê-la em linha de conta. A relação entre aquele
que trata e aquele que sofre, independentemente dos avanços tecnológicos,
deverá continuar a ser uma relação humana privilegiada. Desconheço,
naturalmente, as maravilhas que a evolução técnica irá pôr à disposição dos
nossos Colegas de amanhã. No entanto, a natureza humana não se irá modificar.
As pessoas em sofrimento irão continuar a precisar da compaixão de quem os
trata. Compaixão, compreensão, afeto, proximidade e capacidade de comunicação.
Em suma: empatia.
Provavelmente, o fator mais relevante na aproximação médico
doente continuará a ser a disponibilidade para ouvir. Não existem bons médicos
que não saibam escutar os seus doentes. Poderá seguir-se a voz, que transmite
sentimentos e raciocínio. Os enfermos querem entender o que pensamos. A escolha
das palavras e o recurso à prudência são atributos antigos da Arte de Curar.
Ontem, como hoje, as palavras e as atitudes têm efeitos terapêuticos.
Um amigo meu disse neste espaço, anos atrás, que o olhar
detinha capacidades curativas. O doente pretende que atentemos nele e o modo de
olhar pode ajudar a expressar os nossos sentimentos. Mas não é apenas o olhar.
Ouvir, falar, sorrir, tocar, são atos terapêuticos que reforçam a ação dos
medicamentos e das técnicas. Mesmo em especialidades em que a palpação não seja
essencial para a observação clínica, um aperto de mão ou uma palmadinha no
ombro ajudam a dizer aos doentes que nos interessamos por eles.
Trata-se de procedimentos objetivos e mensuráveis. Há quem
valorize o efeito placebo em cerca de 40%, embora sejam apontados outros
números.
Bastará lembrar as medicinas chamadas alternativa que se
desenvolvem à nossa volta. Pouco mais do terão a oferecer que esse efeito e,
ainda assim, florescem. Tolos serão os médicos que não procurem reforçar a ação
curativa com a indução de sentimentos positivos.
Quem não for capaz de sentir
verdadeiramente a compaixão e de exercer o seu mister com bondade, deverá
escolher outro ofício, em vez de ser médico.
Texto retirado do
capítulo “Relação Médico doente na Literatura Portuguesa”, a integrar
no livro do Processo de candidatura da Relação médico doente a Património Imaterial da
Humanidade.
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