RELAÇÃO MÉDICO-DOENTE
NA LITERATURA PORTUGUESA
VIRGÍLIO
FERREIRA
Virgílio
Ferreira nasceu em Melo, na Serra da Estrela, em 1916, e morreu em Lisboa, em
1996. Chegou a frequentar o seminário do Fundão, mas acabou por se licenciar em
Filologia Clássica, em Coimbra. Começou por aderir ao neorrealismo, porém
depressa se deixou influenciar pelos existencialistas franceses André Malraux e
Jean-Paul Sartre. O existencialismo já está bem patente na sua obra “Mudança”,
de 1949.
Virgílio
Ferreira escreveu 47 livros. É considerado um dos mais importantes romancistas
portugueses do séc. XX, tendo ganho vários prémios de literatura. Foi, ainda,
professor de Português e Latim em várias escolas do país.
Em “O nome da terra”, o escritor aborda a questão do
consentimento informado. Na decisão da amputação da perna, o personagem, que
fala na primeira pessoa, reclama ser ouvido. Considera que os médicos deram
pouca importância à sua opinião. “Falam
da minha perna com ela não fizesse parte de mim”. Sem o referir
expressamente, o escritor deixa transparecer a falta de diálogo entre o médico e
o doente.
Estou num quarto de hospital e o médico diz-me:
− Temos de lhe amputar a perna, como sabe. É coisa simples.
− Gostava de ver a minha perna depois.
− Mas é uma tolice. É uma coisa mórbida. Nem vai poder
vê-la, ter a compreensão disso.
−
Gostava.
Escreve, noutra página:
A gente chega ao fim, que é quando já não tem embalagem para
haver mais futuro.
− E como é que começou?
Olhava a minha perna enquanto era minha e tinha uma pena
triste.
Um dia fui fazer um eletrocardiograma e o médico perguntou-me?
− Não tem os dedos dos pés enegrecidos?
Que pergunta. Não tenho, doutor. Nunca tinha reparado mas
disse não tenho, talvez para inclinar o destino a meu favor.
Texto retirado
do capítulo “Relação Médico doente na Literatura Portuguesa”, do livro a
integrar no Processo de candidatura da Relação médico doente a Património
Imaterial da Humanidade.
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