MEDICINA TRADICIONAL CHINESA
EM
MACAU, NO SÉCULO XX
Durante
séculos, a medicina tradicional chinesa foi a única a que os habitantes de
Macau tiveram acesso.
Os
primeiros boticários europeus foram jesuítas. Médicos e sangradores tardaram a
instalar-se na pequena cidade-estado. Falei nisso, neste blogue, algum tempo
atrás.
O
começo do rompimento com a tradição chinesa tem uma data: 1913. Foi nesse ano
que o Dr. José Caetano Soares chegou a Macau. Tomaria conta do Hospital de S.
Rafael em 2016.
O
prestígio deste clínico tornou popular na Cidade do Santo Nome de Deus a
medicina ocidental.
O
processo não foi acelerado porque o número de médicos formados em Portugal era
insuficiente para atender a população chinesa. Em abril de 1935, Caetano Soares
estimava em 40% a percentagem da população de Macau que optava pela medicina
tradicional. Os seus cálculos baseavam-se na frequência do Hospital Keng Wu.
Em
1944, a insuficiência da oferta de cuidados europeus de saúde continuava a
obrigar as autoridades portuguesas a tolerarem a continuação do exercício
profissional por parte dos curandeiros chineses. Não existiam na colónia
médicos, parteiros e dentistas em número suficiente.
As
leis foram acompanhando a evolução da realidade do território. Em 1954, foi já
possível limitar (em teoria) o exercício da arte de curar aos chineses
habilitados por escolas ou instituições reconhecidas pelas autoridades
sanitárias.
Em
1964, foi adotada uma legislação curiosa. Os médicos chineses passaram a ser
considerados enfermeiros. Na prática, o exercício da medicina tradicional
passou a ser clandestino.
O
professor italiano António Scarpa fez uma viagem de estudo pelo Extremo-Oriente
e, em 1965, publicou as impressões recolhidas em Macau.
«A maioria das farmácias – sejam ocidentais,
mistas ou chinesas – pertence aos chineses, os quais, como é evidente,
simpatizam com a sua medicina; acontece que, quando uma pessoa solicita
determinado fármaco não-chinês, o vendedor oferece-lhe uma mezinha tradicional,
acompanhada do mais amável dos sorrisos e das mais persuasivas recomendações –
motivo por que o cliente, muitas vezes e sobretudo se é chinês, acaba por
adquirir a especialidade sugerida pelo farmacêutico.
Os boticários chineses não
frequentam qualquer escola profissional. Iniciam a sua carreira como simples
moços de farmácia, passando depois, a pouco e pouco, por três graus sucessivos,
até conseguirem o cargo de diretor de farmácia.
Raras vezes o farmacêutico faz
poções ou xaropes. Em geral, serve-se das drogas prescritas e junta-as num único
cartucho de papel que, depois, entrega ao cliente. Este, chegando a casa, faz
pessoalmente a poção, conforme as instruções que o médico lhe deu.
Os médicos tradicionais chineses
pertencem, geralmente, a famílias de médicos, orgulhando-se da sua ascendência que,
por si mesma, pode constituir título para exercer a medicina; desde rapazinhos,
os filhos dos médicos conhecem algumas noções de medicina, aprendidas com os
pais. Terminada a escola média chinesa, que dura seis anos, os alunos
inscrevem-se numa Chung i Hòk Uén, isto é, numa Escola de Medicina Chinesa que em regra tem a duração de cinco anos. Frequentemente, as lições são dadas de
noite, durante duas ou três horas, a fim de consentirem que os alunos se
dediquem a outras atividades de dia.»
No
final de 1970, foram renovadas as licenças a 108 médicos, 60 dentistas, 31
enfermeiras, 18 parteiras e 86 praticantes de medicina tradicional chinesa.
As
modificações culturais são, quase sempre, lentas e progressivas. Disse o padre
Manuel Teixeira: «as antigas famílias de Macau tinham em suas casas cadernos de
mezinhas caseiras e populares para as mais diversas». Anos mais tarde, quando
as procurou recolher para estudo, obteve apenas alguns exemplares cedidos por
senhoras que iam na oitava década da vida. Lá, como cá, os tempos mudaram. De modo geral, a época dos mestres chinas pertence à História.
Apoio bibliográfico:
Scarpa, A. A medicina tradicional chinesa em Macau.
Soares, J. C. Notas sobre a medicina chinesa.
Teixeira, M. Os mestres chinas.
Todos estes artigos integram o livro A Medicina em Macau, do padre Manuel Teixeira. Governo de Macau, Macau, 1998.
Apoio bibliográfico:
Scarpa, A. A medicina tradicional chinesa em Macau.
Soares, J. C. Notas sobre a medicina chinesa.
Teixeira, M. Os mestres chinas.
Todos estes artigos integram o livro A Medicina em Macau, do padre Manuel Teixeira. Governo de Macau, Macau, 1998.
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