Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

sexta-feira, 28 de abril de 2023

 


MARCOS NO CAMINHO 

 

No conjunto, os meus blogues “decaedela” e “historinhasdamedicina” ultrapassaram há dias o quarto de milhão de leitores. A efeméride teria de ser assinalada.

O número de visitas do “historinhasdamedicina” é ligeiramente superior ao registado pelo “decaedela”, embora este seja mais antigo e tenha mais artigos publicados (501 contra 186 de temas médicos históricos).

As nacionalidades dos visitantes diferem consideravelmente de blogue para blogue. No “decaedela” predominam os leitores de Portugal, com 38% das visitas, seguidos de perto pelos Estados Unidos da América. A Holanda vem em terceiro lugar.

No “historinhasdamedicina”, o Brasil figura em primeiro lugar, ligeiramente à frente de Portugal. Seguem-se os E.U.A. e a Rússia. 

Estou em crer que a diáspora dos portugueses apenas em parte explica a origem geográfica dos leitores. Julgo que um número considerável recorre à tradução automática.

Curiosamente, para além do Brasil, o único país lusófono referido como ponto de origem dos meus leitores é Cabo Verde.


quinta-feira, 27 de abril de 2023

 

NOTAS SOBRE A MALÁRIA

A malária tem muitos nomes. Além de lhe chamarem febre terçã e quartã, é também conhecida por paludismo, impaludismo, sezões e maleitas. Tem sido ainda designada por febre dos pântanos, febre dos charcos, febre telúrica, febre perniciosa, maleita, intoxicação palustre, febre palustre ou palúdica e febre da quinquina, entre outras designações menos comuns.

A doença aflige macacos e aves desde a Criação, ou perto disso. Os conhecimentos atuais localizam-na no nosso planeta milhões de anos antes da existência do homem.  Embora a sua prevalência tenha estado geralmente associada a regiões de clima tropical, subtropical e temperado, propagou-se mesmo para norte do Círculo Polar Ártico.  Países tão distanciados como a Rússia, a Índia e os Estados Unidos da América, foram atacados pelo mal.  

O paludismo constituiu um flagelo na Grécia Antiga. O estabelecimento da agricultura na Grécia, cerca de 7.000 anos antes de Cristo, facilitou a difusão da doença, posteriormente exportada para a bacia mediterrânica.  Terá ceifado as vidas de Homero e de Hipócrates. Foi o médico de Cós (c. 460 - c. 370 a.C.) quem primeiro descreveu claramente a enfermidade e a relacionou com os miasmas gerados nos pântanos.



Séculos mais tarde, a malária debilitou os exércitos romanos e terá contribuído para o declínio do seu império.

A malária é associada há muito à permanência em regiões pantanosas. A sua associação com charcos e terrenos alagados levou diversos chefes militares a desviar o percurso das suas tropas em campanha.

Foi atribuída aos “miasmas”, vapores malignos ou partículas invisíveis transmitidas pelo ar danoso resultante da putrefação da matéria vegetal presente no solo das zonas pantanosas.

A associação entre as febres e os mosquitos, abundantes nos locais pantanosos, foi sugerida de tempos a tempos, sem nunca ter chegado a ter grande aceitação entre a comunidade médica. No século XVII, o médico italiano Giovanni Maria Lancisi apontou o dedo aos mosquitos como possíveis responsáveis das febres palustres.  

A prevalência do paludismo nas regiões tropicais foi um dos grandes obstáculos com que a colonização europeia se defrontou. No caso angolano, a cidade de Benguela, que detinha um prestígio antigo por ter o nome ligado ao reino independente do mesmo nome, foi transferida pelos portugueses, em 1617, das vizinhanças de Porto Amboim para a Baía das Vacas onde se situa atualmente. A deslocação para sul foi superior a 270 quilómetros. A razão da mudança assentou na insalubridade do local onde seriam muitas as mortes dos colonos portugueses. Pouco se ganhou com a mudança. A nova Benguela foi construída noutra região pantanosa e continuou a ser conhecida como “cemitério de brancos”. No ano de 1850 o número de habitantes europeus da povoação mal chegava a meia centena.

Para além do seu impacto socioeconómico e do imenso problema de saúde pública que representava, a malária despertava a curiosidade dos médicos, os quais tiveram, durante milhares de anos, dificuldade em entendê-la. Ao processo enigmático de transmissão, aliava-se a sua possível ligação com a febre biliosa e a febre perniciosa.

O microscópio fora inventado no final do século XVI e desenvolvido nas décadas seguintes. No entanto, a transmissão da malaria através de mosquitos infetados com plasmódios teria de esperar pelo início do século XX para ser conhecida.

Foram os escravos africanos que levaram o paludismo para a América. Constituindo novidade para os sistemas imunitários dos habitantes locais, propagou-se rapidamente, atingindo em alguns locais proporções alarmantes.