Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

 





  BANHA DE COBRA E TERIAGA




O cirurgião Joaquim Barradas apresentou recentemente o seu terceiro livro. Chamou-lhe Banha de Cobra e Teriaga.

Em centena e meia de páginas passou em revista toda a História da Medicina ocidental.

A escrita é elegante e as opiniões expressas são cuidadosamente fundamentadas. O livro é de leitura fácil e agradável.

A Teriaga remonta ao tempo de Mitrídates e às guerras do Ponto. Incluía mais de meia centena de componentes e terá sido utilizada inicialmente como antídoto para os venenos comuns.  Julgava-se que o efeito final seria superior ao somatório das virtudes de todos os produtos simples que a integravam.

Depressa passou a ser usado como medicamento capaz de combater quase toda a espécie de doenças. Houve quem julgasse que estava ali a panaceia universal. Seria boa para o tratamento das doenças contagiosas, peste, febres malignas, bexigas, mordeduras de animais venenosos, cólica ventosa, paralisias, epilepsia, apoplexia, letargo e ainda para doenças mentais.

Incluía, entre os seus componentes principais, o ópio e a carne de cobra.

É sabido que as serpentes possuem uma quantidade diminuta de gordura. O termo “Banha da Cobra” deriva dos excipientes gordos que os preparadores lhe incorporavam.

Galeno, médico grego instalado em Roma, foi, para o bem e para o mal, uma das personagens que mais influenciaram as Medicinas árabe e europeia. Descreveu em pormenor o método de preparação da carne de cobra, de forma a poder ser incluída na Teriaga.

A Teriaga foi largamente utilizada em toda a Europa até ao final do século XVIII, tendo o seu uso persistido em alguns países no início do século XIX. Foi o médico britânico William Heberden quem, em 1745, publicou um pequeno opúsculo em que questionava a validade do efeito terapêutico da Teriaga. A publicação teve eco na Inglaterra, primeiro país em que a Teriaga deixou de ser usada. Tinha reinado entre os medicamentos administrados a humanos durante dois milénios.

O autor termina o livro com reflexões sobre a validade do conhecimento científico. No seu entender, a verdade é quase sempre provisória e os avanços registados por cada geração de investigadores tendem muitas vezes a pôr em causa as ideias dominantes em épocas anteriores.