Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

          

         NECROFILIA NA LITERATURA PORTUGUESA

              FIALHO DE ALMEIDA

   
Qualquer médico sabe que a necrofilia é um padrão desviante do comportamento sexual em que a excitação é desencadeada pela visão de cadáveres ou pelo contacto com eles. 
Conhecem-se diversos casos em que os autores recorreram a descrições de necrofilia para chamarem a atenção dos leitores para as suas obras. Um dos mais emblemáticos será o poema "O noivado do Sepulcro" de Soares dos Passos. Quem não se lembra de:

                    "Vai alta a lua!Na mansão da morte
                      Já media noite com vagar soou..."

Quer Fialho de Almeida, quer Camilo Castelo Branco produziram obras literárias que tiveram a necrofilia por tema. Neste artigo, vou falar de Fialho.


Conheço «A Ruiva», de Fialho de Almeida, desde os meus catorze ou quinze anos. Por essa altura, eu lia tudo o que encontrava. O meu pai tinha a sua obra. Li a toda a coleção de «Os gatos» e a seguir, li "Os contos".  Lembro-me de ter achado «A Ruiva» uma narrativa erótica.
Fialho de Almeida ainda foi contemporâneo de Camilo. Nasceu quando Camilo Castelo Branco ia nos 32 anos e sobreviveu-lhe dezanove.


Fialho conhecia Camilo e apreciava-o. Dedicou-lhe os seus «Contos», em temos muito elogiosos.
Eu andava à procura da "Ruiva" de Fialho e encontrei a de Renoir.

Descobri, por acaso, que o pintor Pierre Renoir era pai do realizador de cinema Jean Renoir. Andrée Hessling, aqui retratada, usou também usou o nome de Catarina. Foi o último modelo do pai e a primeira atriz dos filmes do filho, que se casou com ela.


Voltei a ler «A Ruiva», desta vez na Internet. Encontra-se digitalizada e disponível gratuitamente, no sítio da Biblioteca Nacional e, pelo menos, noutro endereço eletrónico. É fácil de descarregar para o computador pessoal.
No conto de Fialho, a necrófila é Carolina, a Ruiva, filha do coveiro e órfã de mãe. Ainda virgem – e passo a citar Fialho:
“Nas horas de calor, de verão, quando sob os ciprestes os empregados do cemitério dormiam, ia devagarinho, sem ser pressentida, à casa dos depósitos, escolhia os cadáveres dos moços, dos belos, se os havia, e como um pequeno vampiro sequioso entreabria as mortalhas, despregando com uma navalhinha as camisas; metia a mão devagarinho pelo peito, metia, escorregando-a ao longo das carnes, beliscando-as levemente, com prazer”.
E a história, que é mais novela do que conto, vai de desgraça em desgraça. O autor obriga o coveiro a enterrar a própria filha. O texto acaba com o narrador a olhar a caveira da Ruiva em cima da sua mesa de trabalho.
Ao menos, não foram atribuídas a Fialho de Almeida tendências sexuais desviantes.



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