Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

TREPANAÇÕES EM CRÂNIOS NEOLÍTICOS


Quase escondido num segundo andar da Rua da Academia das Ciência, nas instalações de um antigo convento, está o Museu Geológico de Lisboa, o primeiro museu dedicado à Arqueologia a ser criado em Portugal. O seu magnífico acervo conta com valiosas colecções de Paleontologia, Estratigrafia, Arqueologia e Mineralogia. O Museu guarda ainda alguns crânios humanos recolhidos em território nacional e trepanados durante o Período Neolítico.
No museu da Lourinhã está guardado um osso parietal trepanado em que a formação de “calo” ósseo demonstra que o paciente sobreviveu ao acto cirúrgico. Ocorreram no nosso País outros achados semelhantes, nomeadamente na gruta da Galinha, perto de Alcanena.
O período neolítico é também designado por idade da pedra polida. Segue-se ao nomadismo do Paleolítico. O homem torna-se sedentário. Aprende a cultivar a terra e domestica alguns animais.
Ao mesmo tempo que aperfeiçoa as suas técnicas, desenvolve também preocupações religiosas e culturais. Levanta estruturas megalíticas, das quais Stonehenge é a mais conhecida. Torna-se mais aparente o culto dos mortos. Nascem cemitérios, como os dólmenes ou antas.
É por essa altura que nasce a Neurocirurgia. Pelo menos, têm início as trepanações cranianas.
Mais do que uma época cronológica, o neolítico é uma fase de cultura e não ocorre simultaneamente em toda a parte. Na Europa, entrou pela Península Ibérica, quando povos do Médio Oriente se foram estabelecendo na Península. Segundo Santaolalla, nenhum crânio pré-histórico trepanado na França, Suíça, Bélgica e Países Baixos pode ser datado antes dos ibéricos. Afirma o autor que todos os achados peninsulares de crânios trepanados se podem datar entre 2.000 e 1.400 A.C.
Os operadores usavam instrumentos de material duro, como o sílex, para efectuar aberturas no osso da calota c
raniana. As craniectomias, circulares ou ovais, eram levadas a cabo por uma técnica de raspagem. A maioria das trepanações tinha diâmetros de 30 a 45 milímetros. Menos frequentemente, nas civilizações peruanas pré-Incas, pequenos orifícios de trépano eram ligados para levantar um retalho ósseo.
O trépano já existia no tempo de Hipócrates. O cirurgião rodava-o repetidamente num sentido ou noutro fazendo deslizar as palmas das mãos.
Registaram-se igualmente vestígios de trepanações em cadáveres. Pretendia-se, nestes casos, obter amuletos ósseos que afastassem os espíritos maus.
As aberturas resultantes da trepanação tendem a curar com formação de tecido ósseo novo. A maioria dos doentes escapava à morte. Estudos feitos no Peru puderam concluir que 62,5% dos doentes ou vítimas viviam o suficiente para desenvolver “calo” ósseo.
As razões para a cirurgia são matéria de especulação, embora seja possível estabelecer paralelos com as motivações detectadas em povos que a praticaram até épocas relativamente recentes. Várias afecções cranianas eram atribuídas à entrada de demónios. Um orifício na cabeça proporcionava-lhes uma porta de saída. A epilepsia, “o mal sagrado”, terá sido responsável por muitas tentativas de tratamento.

Encontraram-se crânios trepanados por povos primitivos de todos os continentes, ainda que, na Ásia, os achados sejam raros. No passado, era difícil traçar uma linha que separasse claramente a Medicina e a Magia. Aliás, durante muito tempo, a Medicina não passou de um capítulo da Magia.

Referências:
Ruy Vieira, Historial da trepanação craniana, suplemento do jornal Notícias Médicas nº2835.

Já publicado em O BAR DO OSSIAN

2 comentários:

  1. Muito boa as informações, principalmente ao fato de alguns povos antigos atribuirem as doenças como de origem demoniaca e tentarem abrir um caminho fisico para sua saida.

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  2. Grato pelas informações prestadas. Gostaria de convidá-lo a visitar a nossa página, onde inclusive postarei algo a respeito da história da trepanações. Abraços.

    http://mindasks.blogspot.com.br/

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