Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

sábado, 25 de junho de 2011

OS MINKISI DO CONGO

Na tradição cultural africana, os espíritos assemelham-se aos seres viventes. Uns são bondosos e outros egoístas e mal-humorados. Podem ceder alguns poderes aos vivos. São capazes de ajudar a resolver problemas, com a doença ou o mal causado pela inveja, mas são também vistos como causadores de infortúnio.
Na forma de pensar dos povos Bakongo, que habitam a vizinhança do rio Zaire, um Nkisi representa, no mundo visível, um espírito do reino dos mortos que aceitou, ou foi levado a aceitar, vir para este lado.  Os humanos conseguem algum controle sobre ele, através de rituais. O sacerdote que dirige a cerimónia ritual é o nganga do Nkisi.
A correspondência ao onganga do sul de Angola, parece imediata. Segundo o padre Carlos Estermann, onganga é o detentor de ouanga, um poder mágico nocivo utilizado para causar doença e morte entre os homens e por vezes entre os bois. Com pequenas variantes, o termo é comum em diversas línguas de Angola.
O Nkisi é o suporte físico da força e do poder espiritual. Pode ter a forma de estatueta. Os Minkisi (plural de Nkisi) têm relicários com espelhos e receptáculos variados, habitualmente pequenos sacos presos ao corpo, contendo medicamentos, geralmente de origem vegetal, chamados bilongos ou milongos.
Segundo os Nkongo, se um Nkisi perde os remédios, ou se o padrinho nganga morre, fica esvaziado do seu poder espiritual e volta a ser um objecto mais ou menos decorativo. Sorte para mim e para os meus bonecos... 
O Nkisi Nkondi, estatueta ritual figurada de pé, ergue de forma ameaçadora um dos braços, por vezes armado de uma faca ou de uma lança. É considerados guardiões dos bons costumes.
Nkondi significa caçador. Durante a noite, vai à caça de feiticeiros e de ladrões. Persegue também adúlteros e outros infractores das regras sociais.
Não me encontro em condições de garantir a proveniência nem a autenticidade das minhas estatuetas. Julgo tratar-se de imitações.
A boneca barbada cravejada de placas de ferro e de parafusos mede 60 cm de altura e mostra uma expressão triste no rosto. Os dentes incisivos superiores estão limados em V, o que poderá eventualmente facilitar a identificação do seu local de origem.

O meu Nkisi deveria, em tempos, segurar uma azagaia. Vai perdendo a cabeleira de pelo de macaco e tem o joelho esquerdo adiantado, facto comum na estatuária europeia, mas alheio à tradição cultural africana. É seguramente uma obra recente, com influência dos colonizadores. Está carregado de saquinhos contento os bilongos habituais e apresenta na barriga o conveniente relicário tapado com um espelho.


Fontes: Carlos Estermann  - Etnografia de Angola. Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, 1983.
            Wyatt Macgaffey - Os Kongo. Em: Na Presença dos Espíritos. 
            Arte Africana do Museu Nacional de Etnologia. New York e Lisboa, 2.000.
Fotografias: 1 - Na Presença dos Espíritos.
                  2,3 e 4 - Colecção do autor.

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