Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

sexta-feira, 26 de junho de 2015


 MEDICINAS TRADICIONAIS CHINESA E OCIDENTAL

        TERAPÊUTICA



Nas velhas medicinas de todos os cantos do mundo, o tratamento das doenças constituiu mais um desejo que uma realidade. A Medicina nasceu associada à Magia, enquanto a Astrologia influenciou todas as civilizações. Persiste, nos nossos dias, o uso de amuletos e a prática de defumações. Na Europa, apenas no final do século XIX a medicina se apartou das previsões astrais.
Se olharmos as terapêuticas utilizadas ao longo de milénios na China e na Europa, encontraremos partes comuns e partes específicas.
A parte comum reside na utilização de drogas com presumidos efeitos medicinais, na dieta e na preocupação com o equilíbrio do organismo. O conceito de saúde como estado de equilíbrio é partilhado pelas filosofias médicas hipocrática e chinesa.
A teoria humoral de Hipócrates influenciou a medicina europeia e árabe durante mais de dois milénios. Escreveu o sábio grego: «O corpo humano contém sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra. Estas são as coisas que o constituem e causam o sofrimento ou a saúde».
O equilíbrio proporcionado por uma combinação adequada dos humores era essencial para a manutenção do estado de saúde. Existiriam, dentro e fora do organismo, forças capazes de modificar as qualidades e a distribuição dos humores. Se uma quantidade excessiva de um humor se acumulava em determinada região, o organismo reagia, procurando eliminá-lo. «Expelia fleuma pelo nariz nas constipações, bílis pelo vómito nas alterações digestivas, sangue na expetoração nas doenças pulmonares, ou bílis negra pelas fezes, nas afeções intestinais.»
O médico procurava ajudar a natureza. Boa parte do esforço terapêutico era dirigido no sentido da evacuação do excesso de humores. Usava-se e abusava-se da sangria, da purga, dos clisteres, dos eméticos e dos sudoríferos.


Os chineses procuraram, desde sempre, a harmonia com o universo. Viver seria adaptar-se à ordem natural das coisas.
Enquanto na Europa se procurava restabelecer o equilíbrio dos humores, na China eram as energias que se deveriam harmonizar. O estado de saúde consistia no fluir adequado do Yin e do Yang.
A doença ocorria quando um dos tipos de energia se acumulava em excesso num órgão, ou numa zona do organismo.
A noção de equilíbrio começou por influenciar a dieta, a que os chineses deram, desde sempre, uma atenção especial. Procuravam a prevenção. A dieta variava consideravelmente com as estações do ano. A partir do outono, quem dormia com os pés gelados podia precaver-se comendo sopa de carne de cobra com pétalas de crisântemo.


À dieta, associava-se a ginástica, como meio de preservar a saúde. Os exercícios físicos praticados por um grande número de chineses procuravam corrigir a respiração. O T`ai Kek sucedeu, em muitas regiões da China, ao Qigong, que visava promover no organismo a boa circulação da energia Qi. O exercício contribuiria também para o alívio da tensão psicológica.
Para além das dietas e do exercício físico (tanto terapêuticas como profiláticas), os principais métodos terapêuticos da medicina tradicional chinesa são a acupuntura, a moxabustão, a ventosoterapia, o Tui Na e a fitoterapia.
As três primeiras técnicas foram referidas de forma sumária nos artigos precedentes.


O Tui Na é uma forma de massagem que pretende estimular pontos determinados nos meridianos do doente. Está, assim, associada à acupuntura.
Os chineses consideravam que o corpo humano dispunha de um conjunto adequado de defesas. Era capaz de identificar as zonas doentes e de resolver a maioria dos desequilíbrios encontrados. A medicação era apenas utilizada quando falhavam as defesas naturais.
No século XVI, o médico Li Shizhen reviu a farmacopeia até então conhecida na China. Encontrou 443 produtos derivados de animais, 1.074 substâncias vegetais e 354 produtos minerais. Eram 50 as ervas fundamentais. Tal como na Europa, a complexidade de certas mezinhas era notável.


As formulações eram diversas, ocorrendo certo paralelismo nas formas de administrar a medicação. A Farmacopeia Lusitana publicada em 1704 por D. Caetano de Santo António, Boticário do Real Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, foi a primeira escrita em língua portuguesa. Faz referência a águas, vinhos, vinagres, xaropes, infusões, electuários, emplastros, mucilagens, óleos, pedras, metais, pílulas, pós, teriagas e zaragatoas.
Os chineses veiculavam os produtos terapêuticos através de chás, caldos, pílulas, pomadas, bálsamos, cataplasmas, macerados em vinho e massas fermentadas.


Criaram-se algumas expectativas quanto ao desenvolvimento de novos medicamentos a partir das plantas utilizadas na medicina tradicional chinesa. Por enquanto, os resultados são pouco animadores. A maioria das plantas orientais não possui as virtudes terapêuticas que lhe foram atribuídas.

Bibliografia:
Medicina chinesa- em busca do equilíbrio perdido. Jorge, C. e Coelho, B. Instituto Cultural de Macau e Círculo de Leitores, 1988.
A Arte de Sangrar de Cirurgiões e Barbeiros. Barradas, J. Livros Horizonte, Lisboa, 1999.




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