Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

terça-feira, 13 de novembro de 2018




               GRIPE PNEUMÓNICA




Assinala-se este ano o centenário da gripe pneumónica, a pandemia mais assassina da história da humanidade. Terá atingido 500 milhões de pessoas, em todos os continentes. Lembro que a população mundial, em 1918, era de cerca de 1.700 milhões. Adoeceram, a acreditar nestas cifras, mais de um quarto dos habitantes do planeta.
Para um curioso como eu, é surpreendente a divergência dos números apresentados por diversas fontes para o mesmo acontecimento. A estimativa do número global de mortos oscila, segundo as fontes, entre 20 e 100 milhões.
 Mesmo as estimativas mais conservadoras apontam para um número de óbitos superior ao registado ao longo dos quatro anos que durou a II Grande Guerra e que terá sido de 15 milhões, contabilizando tanto as vítimas militares como as civis. Provavelmente, a gripe pneumónica colheu, no decurso de um único ano, um terço do número de vítimas provocadas pela peste em seis séculos de história. Terá matado, nas 25 semanas da segunda vaga, mais pessoas que a SIDA em 25 anos.
Para a dificuldade em acertar contas, contribui o facto de, há um século, as estatísticas não serem fiáveis em alguns dos países mais populosos do mundo, como a China e a Índia.
A taxa de mortalidade variou com os países afetados e com as ondas epidémicas. Foi mais elevada na segunda vaga, onde terá chegado aos 6 a 8 por cento. Em algumas regiões, ter-se-á aproximado dos 20%. Nos Estados Unidos, houve populações de índios que foram devastadas.
A origem geográfica da chamada “gripe espanhola” continua a ser discutida, mas sabe-se não começou na Espanha. A explicação para a alcunha é simples. A Espanha foi um dos poucos países neutros durante a I Grande Guerra e, por essa razão, um dos raros onde a imprensa era livre de noticiar a epidemia. Sabia-se que, mesmo longe da região do conflito armado, estavam a adoecer e a morrer milhares e milhares de pessoas. Os países beligerantes evitavam alarmar em demasia as opiniões públicas nacionais e censuravam as notícias.



Foram aventadas diversas hipóteses para o início da doença. Segundo alguns, terá nascido na China, sendo transportada para a Europa pelos trabalhadores chineses que vinham abrir trincheiras na Flandres. Segundo outros, terá sido trazida por soldados provenientes da Indochina, que lutaram ao lado dos franceses. Há também quem admita a possibilidade de a gripe ter tido origem multicêntrica, com focos independentes na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos da América.

O primeiro registo seguro provém do Kansas, no centro dos Estados Unidos da América. A doença foi identificada pela primeira vez em janeiro de 1918, em Haskell County, no Kansas.
Na primavera de 1918, continuavam a ser treinados muitos recrutas americanos para participarem na guerra que se travava na Europa.
No mês de março de 1918, foi internado na base militar de Fort Riley, um jovem que se queixava de dores de garganta, mialgias e febre. Na mesma semana, adoeceram mais de duzentos soldados com os mesmos sintomas. Uma semana depois, foi registado um caso similar em Queens, Nova Iorque.
Antes do final de março, havia mais de mil militares hospitalizados. A doença espalhou-se rapidamente por outros acampamentos militares. Era a gripe.

             Auditório Municipal de Oackland, adaptado a enfermaria
Tratava-se de uma forma extremamente contagiosa da doença. Chegaram a adoecer mil e quinhentos soldados por dia. 
A doença alastrou rapidamente pelos E.U.A. 

       Enfermeiras da Cruz Vermelha em San Louis, no outono de 1918
Logo a seguir, a gripe foi transportada para a Europa pelos soldados americanos. A Pneumónica viajou por mar. Na Europa, foram registados os primeiros casos em abril de 1918. Ocorreram em soldados franceses, ingleses e americanos que se encontravam em portos de embarque, em França.


Todos os exércitos envolvidos na Grande Guerra foram devastados pela doença. Calcula-se que perto de 80 por cento das mortes das forças americanas destacadas para a Europa foram provocadas pela gripe.


A expansão da epidemia foi imparável. Em maio, atingiu Portugal, Espanha e a Grécia. Em junho, chegou à Dinamarca e à Noruega e em agosto, matava já na Holanda, na Bélgica e na Suécia. A seguir, espalhou-se pelo mundo. Mesmo ilhas remotas, no Ártico e no Pacífico foram afetadas pela pandemia.
A pneumónica grassou durante os anos de 1918 e 1919. O seu progresso não foi regular. Evoluiu em três vagas sucessivas.
A primeira foi a mais benigna e decorreu até agosto de 1918.
A segunda foi a mais mortífera. Instalou-se durante os meses frios do outono e do inverno e matou provavelmente 6 a 8 por cento dos doentes afetados.
A terceira decorreu de fevereiro a maio de 1919.


Tratou-se de uma pandemia gripal de virulência e agressividade raras. Matava rapidamente, por vezes em dois ou três dias, com dificuldade respiratória aguda e sintomas hemorrágicos. Era frequente a associação de infecções bacterianas graves.   
                                                                                                                     (Continua)

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