Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019



       

             RELAÇÃO MÉDICO DOENTE


          NA LITERATURA PORTUGUESA


                       JÚLIO DINIS


        


Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871), nasceu e morreu no Porto. Aluno brilhante, chegou a ensinar na Escola Médico-Cirúrgica da cidade, mas a doença fê-lo abandonar o trabalho. A tuberculose, que lhe levara a mãe e todos os oito irmãos, vitimou-o aos 32 anos de idade. 
Sob o pseudónimo de Júlio Dinis, publicou uma série de livros que foram considerados “dos mais suaves e ternos romances portugueses”, lidos e relidos por gerações sucessivas de adolescentes.
Em “As Pupilas do Senhor Reitor” Júlio Dinis criou a figura poderosa de João Semana, velho médico bonacheirão, também proprietário rural, que não dispunha (aparentemente) de instalações semelhantes aos consultórios médicos de hoje e começava manhã cedo as suas visitas domiciliárias, montado numa égua. Amigo de toda a gente (e, em especial, do “Senhor Reitor”), tratava os pobres e os menos pobres da aldeia com a mesma atenção e interesse. Naquele tempo, ainda não se imaginava um Serviço Nacional de Saúde.
Em Portugal, quando se pretendia dizer que um médico era verdadeiramente generoso e desinteressado, contava-se dele que, não só não cobrava as consultas aos pobres, como lhes dava do seu bolso dinheiro para os medicamentos. É o que Júlio Dinis diz de João Semana.
João Semana não acreditava nos avanços da Medicina. Teria certa razão. No tempo em que Joaquim Coelho escreveu (1860-1870), a terapêutica médica eficaz era ainda uma promessa. Segundo António Lobo Antunes, a figura de João Semana não nasceu do nada. Júlio Dinis inspirou-se, para a elaborar, na personagem dum certo  doutor Silveira que a tradição popular fizera quase santo.
Para Maria José Oliveira Monteiro (“Júlio Dinis e o enigma da sua vida”), o modelo em que o escritor se inspirou para criar o seu João Semana seria outro: o Dr. Joaquim Silvestre Correia da Silva, de Grijó, povoação onde o escritor passou boa parte da sua infância.
Sobre Júlio Dinis escreveu Camilo, em carta a António Feliciano de Castilho, datada de  2/11/1867:
O autor da Pupilas do Abade é cirurgião e lente na escola do Porto. Deve ter 37 anos. É um sujeito doente e triste. Parece-me que tem muitíssima aptidão para a novela. Li, e disse cá ente mim: Jam nova progenies, etc. Aquilo é rebate de entroixar eu a minha papelada, e desempeçar a estrada à nova geração.

Texto retirado do capítulo “Relação Médico doente na Literatura Portuguesa”, do livro a integrar no Processo de candidatura da Relação médico doente a Património Imaterial da Humanidade.





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