Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

                                     

         JOSEP MENGELE



IV

Os amigos de Mengele avisam-no do perigo. O novo governo democrático argentino poderia responder afirmativamente ao pedido germânico de extradição.

Josef Mengele aterrorizou-se. Despediu-se dos seus sócios na empresa farmacêutica, pediu à família discrição e paciência e voltou a Assunção.

Instalou-se, a seguir, na quinta do nazi Alban Krug, em Nueva Bavaria. Ficava perto da fronteira argentina.

       Retomou a atividade de caixeiro-viajante. Percorria as grandes explorações rurais do Paraguai com o seu catálogo de máquinas agrícolas.

Entretanto, os seus amigos procuravam conseguir-lhe um passaporte paraguaio. A tarefa não era fácil: a lei exigia a permanência prévia de cinco anos no país. Por outro lado, Marta mostrava dificuldade em adaptar-se à vida rural.

O cerco apertou-se. O governo alemão enviou pedidos de extradição não apenas à Argentina, mas também ao Paraguai, dados os rumores que circulavam quanto à deslocação de Mengele para aquele país. Os processos arrastaram-se. Nenhum dos estados envolvidos no processo mostrava qualquer urgência em responder às autoridades alemãs.

Rudel, o ás da Lufwtaffe convertido em fornecedor de armas ao regime de Stroessner, interveio a favor do seu amigo junto do Ministério do Interior. Helmut Gregor era um médico brilhante e estava a ser perseguido devido às suas convicções políticas. Tratava-se de um homem útil para o Paraguai.

A sua mediação teve êxito e, em novembro de 1959, o Supremo Tribunal paraguaio concedeu a Gregor a cidadania e a autorização de residência.

Os seus amigos Jung organizaram uma pequena festa para celebrar o evento. No entanto, Josef chegou deprimido a casa deles. Acabara de receber a notícia da morte de seu pai.

Falou longamente do pai e do relacionamento muitas vezes difícil entre ambos. Quase a chorar, recitou uma frase em latim que Mengele sénior gostava de repetir: procul recedant somnia, et noctium phantasmata (que fiquem longe de nós os sonhos e os fantasmas da noite).

Entretanto, em Buenos Aires, Adolf Eichmann, que fazia uso do nome de Ricardo Klement, ia dando demasiado nas vistas. Apesar de ter um emprego modesto como fiel de armazém na empresa Mercedes, fora rastreado pela Mossad, a agência israelita dos Serviços Secretos. Mengele era também objeto de investigação. A Mossad foi informada de que Josef Mengele usava o nome de Helmut Gregor e dirigia uma fábrica de móveis e uma empresa farmacêutica na capital argentina.

       No dia 11 de maio de 1960, os comandos da Mossad entraram em Buenos Aires, sequestraram Eichmann e submeteram-no a interrogatório. Pretendiam saber onde estava Mengele e que aspeto teria então. Em nome da honra, Eichmann recusou trair o camarada, que nem sequer apreciava. Não falou.

Alguns dias depois, o primeiro-ministro judaico Ben Gurion anunciou a captura de Adolf Eichmann.

Os criminosos de guerra refugiados na América do Sul assustaram-se. A Segunda Grande Guerra terminara havia dezena e meia de anos, mas os judeus não desistiam de os procurar.  

As atenções dos jornalistas de boa parte do mundo voltaram-se para Buenos Aires. A Argentina era acusada de abrigar criminosos de guerra. O governo da Alemanha Ocidental ofereceu 20 mil marcos pela captura de Josef Mengele.

Face à pressão hostil, os círculos nazis da capital argentina desintegraram-se e os seus membros dispersaram.   

Em setembro de 1960, Mengele entendeu que, para sobreviver, deveria abandonar tudo o que possuía. Ia nos 49 anos e via-se obrigado a recomeçar, pela segunda vez, uma existência nova. No mês seguinte, Krug e Rudel, os seus amigos mais chegados, levaram-no num jipe até à fronteira do Brasil.

Quem protegeu então Mengele e o ajudou a encontrar abrigo no Brasil foi Wolfgang Gerhard, amigo de Hans Rudel e antigo dirigente da Juventude Hitleriana na Áustria. Emigrara em 1948 por não suportar a ocupação da sua Pátria pelos aliados, mas desprezava os brasileiros, que considerava pertencerem a uma raça inferior. Era um homem alto e um nazi fanático. Cada ano decorava a sua árvore de Natal com a cruz suástica.

Gerhard ajudou Mengele a vender as suas terras no Paraguai por cerca de 20.000 dólares. Era uma quantia relativamente importante para o Brasil.

 Mais ou menos por essa altura, Martha e Josef concordaram em separar-se. Nem ela, nem o filho (então com 16 anos) se adaptavam a partilhar as vidas com um fugitivo. Regressaram à Europa.

Mengele obteve um trabalho provisório em São Paulo, enquanto Gerhard lhe procurava uma situação mais estável.

  Foi alojado numa quinta situada a 300 quilómetros de São Paulo, nos arredores de Nova Europa, zona onde habitava uma comunidade alemã. A propriedade tinha cerca de 15 hectares e produzia café, arroz, fruta e leite. Os proprietários eram um casal húngaro, Geza e Gitta Stammer. Tinham abandonado a pátria por causa da invasão soviética. Eram pessoas simples e politicamente seguras.

Mengele foi apresentado como um especialista suíço em pecuária. O seu novo nome era Peter Hochbichler. Acabaria por viver com Geza e Gitta durante cerca de 13 anos.

Corriam mundo rumores sobre o paradeiro de Mengele e ocorreram alguns erros de identificação. A Mossad, contudo, tinha os pés bem assentes no chão. Dois amigos chegados de Mengel, Krug e Rudel, foram localizados, sem consequências úteis. A correspondência de Martha era intercetada, mas o antigo médico nazi era demasiado prudente para transmitir por escrito informações que lhe pudessem causar perigo.

Zvi Aharoni, um judeu alemão que integrou o grupo dos sequestradores de Eichmann, acaba por o localizar no Brasil. Regressou a França para preparar um sequestro. Foi, entretanto, chamado de urgência para outra missão. O rapto de um rapazito de oito anos desencadeara uma tempestade política em Israel e Ben Gurion arriscava-se a perder as próximas eleições. A Mossad chamou Zvi, o “Tigre”, à operação que planeara. Quando, oito meses depois, o menino foi recuperado, Mengele mudara de residência.

Na Nova Europa, Josef sofria com o calor. A terra era pouco produtiva e o trabalho cansativo.

Procurava adaptar-se ao cultivo do café e cuidava dos animais domésticos. No entanto, não se sentia bem. Lavava-se vezes demais e abusava da água-de-colónia.

Meses depois, Gitta Stammer descobriu por acaso a verdadeira identidade do seu hóspede. Identificou-o numa fotografia patente num jornal de São Paulo. Para comemorar o 17º aniversário da libertação de Auschwitz, o periódico mostrava a fotografia do jovem médico das SS conhecido por Anjo da Morte.

Mengele não podia negar a identificação. Apesar dos anos decorridos, a semelhança era clara. Defendeu-se, declarando que não cometera os crimes de que “a imprensa ao serviço dos judeus” o acusava.

Os hospedeiros não se preocuparam em demasia com o conhecimento da sua identidade real. Queriam paz, sossego e dinheiro. No entanto, receavam a vingança dos judeus. Pensaram em livrar-se do hóspede.

Wolfgang Gerhard apareceu oportunamente na quinta com dois milhares de dólares americanos. Serviriam para sossegar os Stammer por um tempo.

Mengele continuava inquieto. Sobravam-lhe razões para tal. Após a captura de Eichmann, passava a ser ele o criminoso nazi mais mediático e mais procurado.

Algum tempo depois, Geza visitou Gerhard em São Paulo. Pretendia sacar mais dinheiro.

Aós alguma demora, Geza Stammer recebeu a resposta. Os Mengele ofereceram-se para financiar metade de uma nova propriedade. A outra metade seria obtida mediante a venda da quinta atual.

Semanas mais tarde, os Stammer e Hochbichler mudaram-se para uma quinta isolada na Serra Negra. Era a fazenda Santa Luzia e ocupava 45 hectares.

Mal se instalara, Mengele soube do enforcamento de Eichmann. Acontecera a 1 de junho de 1962. As suas cinzas tinham sido lançadas ao Mar Mediterrâneo, para que ninguém pudesse orar junto à sua campa.

     Meses depois Mengele adoeceu com febre alta. Poderia ser malária. Gitta cuidou dele. Aos poucos, os carinhos ao doente foram mudando de tom. Acabou por se lhe meter na cama.

      Mengele nunca saia da quinta. O seu único visitante era Gerhard, que lhe trazia jornais e alguns medicamentos. Ocasionalmente oferecia-lhe também discos de música clássica.

Em meados de 1963, Mengele recebeu notícias da família. Os seus parentes em Günzburgo tinham deixado de ser incomodados e Martha vivia em paz.

Por outro lado, os caçadores de nazis pareciam ter-lhes dado folga. Israel preocupava-se mais com os mísseis egípcios do que com os carniceiros do Holocausto.

No início do ano seguinte, Mengele recebeu uma notícia que amargurou. Uma carta da Martha informou-o de que os seus diplomas universitários lhe tinham sido retirados. Por ter violado o Juramento de Hipócrates, tendo cometido assassinatos em Auschwitz, as Universidades de Frankfurt e Munique anularam-lhe os títulos de doutor em Medicina e em Antropologia.

Josef Mengele considerava-se um académico e tinha pretensões a seguir uma carreira universitária. Achou aquela decisão profundamente injusta. Ele, que procurara preservar o melhor da sua querida Pátria, olhava agora a Alemanha como injusta e degradada.

Em nenhum momento questionou a justeza das suas posições. Fora um soldado do Reich e continuava a raciocinar de acordo com os conceitos que lhe tinham sido inculcados: a raça e o sangue eram as motivações essenciais que regiam o direito, a guerra, o relacionamento dos sexos e também o entendimento, ou o desentendimento, entre as nações. No modo de ver de boa parte dos alemães da sua geração, os fracos e os parasitas eram indignos de viver.

Hitler enfeitiçara os alemães. Soubera incorporar nos seus discursos o sentido messiânico de purificar a raça, aperfeiçoando a espécie humana, e de dar à Alemanha o espaço vital de que ela necessitava para cumprir a sua missão quase divina.

Em termos pessoais, Josef Mengele considerava ter cumprido a sua parte. Fora determinado. Uma ou outra vez, eliminara a doença eliminando também os doentes, como acontecera com alguns surtos de tifo registados nas casernas dos prisioneiros judeus. Depois, Auschwitz constituíra, de certo modo, uma empresa lucrativa. Os trabalhadores forçados produziam borracha sintética para a IG Farben e armas para a Krupp. A fábrica de feltro Alex Zink adquiria à Kommandatur cabeleiras de mulher e reciclava-os em sapatilhas para as tripulações dos submarinos. A farmacêutica Bayer testava medicamentos contra o tifo nos judeus internados nos campos de concentração.

Mengele não sentia remorsos, nem se arrependia de nada. Considerava que tinha sido a História a tramá-lo.

Por vezes, recordava os camaradas. Eram vinte, os seus colegas da SS colocados em Auschwitz. Trabalhavam junto a eles mais de três centenas de professores universitários e biólogos.

Lembrava-se bem de alguns. Horst Schumann esterilizava homens e mulheres com raios X. Josef não entendia bem a razão por que castrava previamente os machos e sujeitava as fêmeas a ovariectomias. Claus Clauberg implantava fetos de animais nos úteros de mulheres e esterilizava-as, injetando-lhes no sistema genital produtos à base de formol. Friedrich Entress inoculava bacilos de tifo nos judeus aprisionados e matava-os com injeções intracardíacas de formol. August Hirt injetava hormonas nos homossexuais, antes de os abater.  

Uns melhor, outros pior, todos tinham dado o seu contributo para o Reich. Que seria feito deles?

Alguns tinham-se suicidado. Um número restrito fora condenado nos juramentos de Nuremberga. A grande maioria escondera-se durante algum tempo e acabara por regressar para junto das famílias e por se reintegrar na sociedade civil. Tal nunca seria possível para ele, Josef Mengele. Era demasiado conhecido.  

Acabou por passar cinco anos na Serra Negra, sem nunca de lá sair.

Numa noite de 1967 percebeu que tinha sido definitivamente vencido. Nada era como dantes. Já quase ninguém pensava como ele. Não entendia o mundo moderno. Observava na televisão jovens alemães de cabelo comprido a contestar a autoridade. Na América do Norte, viam-se brancos a defender os direitos dos negros. Os artistas alemães contemporâneos desagradavam-lhe e a música psicadélica, no seu entender, afrontava o lirismo de Wagner.

Os amigos desapontavam-no. Rudel não o visitava desde que se mudara para o Brasil. Klaus Barbie, “o carniceiro de Lyon” instalara-se na Bolívia com o nome de Klaus Altman e prosperara. Treinava os oficiais do país nas técnicas de tortura. Declarou-se disposto a acolher Mengele. O antigo médico nazi não aceitou a proposta.

A sua conversa pouco se alterara. Os temas tornaram-se repetitivos: a apologia da raça nórdica, os judeus répteis, a excelência biológica, o povo alemão orgulhoso e heroico …

Os Stammer estavam fartos de o aturar, mas mantinham ligações económicas importantes com ele. Pressionaram-no a vender em conjunto a quinta e compraram, também a meias, uma bela propriedade nos arredores de Caieiras, a cerca de 30 quilómetros de São Paulo.

Mengele tinha quase sessenta anos e viu-se obrigado a segui-los. Mudaram-se no começo de 1969. 

Entretanto, o seu único amigo fiel dos últimos anos, Wolfgang Gerhard, viu a família atingida pelo infortúnio: os exames médicos feitos na Áustria mostraram que a mulher tinha um cancro no estômago e que o filho Adolf contraíra um cancro nos ossos. Sem dinheiro para custear as despesas Gerhard pediu, pela primeira vez, auxílio a Mengele.

O nazi era imune à compaixão. Mostrou-se reticente em interceder junto da sua família, mas acabou por ceder. Não era homem de afetos, mas receava que, em desespero, Gerhard acabasse por revelar aos judeus caçadores de nazis o seu paradeiro.

Adoeceu em julho de 1972. Tinha fortes cólicas abdominais. A sua obstipação habitual agravou-se e acabou por emitir vómitos fecaloides.

Foi obrigado a deixar-se observar por um médico. As radiografias mostraram uma esfera do tamanho de uma bolha de bilhar que lhe obstruía o trânsito intestinal. Foi operado. Retiraram-lhe do intestino uma enorme bola de pelos. A ansiedade e a tendência compulsiva tinham-no levado a mordiscar e engolir, ao longo dos anos, os pelos do bigode. Não haviam sido expelidos. Com o tempo, tinham-se aglutinado até formarem um objeto sólido.

Algum tempo mais tarde, o doente relatou por escrito a sua experiência. Tivera de resistir à tentação de discutir com os colegas o próprio caso clínico. Os seus conhecimentos iriam denunciar a profissão de médico.

Mengele sobreviveu, mas sentia-se abalado. Contatou que envelhecera.

         Com o passar dos anos, Josef Mengele tornou-se ainda mais maçador. Intrometia-se, por carta, na vida dos familiares (alguns dos quais mal conhecia) e exigia constantemente dinheiro e atenção. Na correspondência com o sobrinho, continuava a louvar o Führer e o eugenismo e criticava a República Federal Alemã.

O antigo médico nazi constituía um fardo para a própria família, mas o clã de Günsburg não podia abandoná-lo: se fosse capturado, a revelação dos seus laços com o Anjo da Morte poderia abalar os alicerces da empresa multinacional que faturava anualmente centenas de milhões de dólares e contava com mais de dois mil empregados.

Wolfgang Gerhard achou que Mengele levava uma vida demasiado solitária. Pareceu-lhe conveniente que encontrasse novos amigos e outros companheiros de conversa. Apresentou-lhe um casal de nazis austríacos, Wolfram e Liselotte Bossert. Wolgram fora cabo do exército austríaco e deplorava a humilhação que a Alemanha sofrera no final da guerra. Era conhecido por Musikus, no seu círculo mais chegado. Interessava-se por filosofia e literatura alemã, embora estivesse longe de deter a cultura de Josef Mengele.

A iniciativa de Gerhard resultou e Mengele passou a frequentar regularmente a casa dos Bossert. Jantava com eles quase todas as quartas-feiras. Falavam essencialmente dos “valores eternos” da vida alemã antes da guerra. Partilhavam diversos pontos de vista, incluindo o antissemitismo.

Entretanto, na propriedade de Caieiras, os acontecimentos precipitaram-se. Por motivos fúteis, Mengele deu uma bofetada em Gitta. Geza agarrou Mengele pelo pescoço e correu com ele de casa.

Mengele teve de instalar durante uns dias no domicílio de Bossert, o o seu novo amigo, enquanto Sedlmeier voltava a atravessar o Atlântico para tentar acalmar os Stammer com nova oferta de dinheiro.

Desta vez, a iniciativa não resultou. No final de 1974, os Stammer venderam a propriedade de Caieiras e instalaram-se numa moradia luxuosa em São Paulo. Mengele e o seu cão “Cigano” tinham dois meses para abandonar a casa. Gitta enganou-o: com uma pequena fração da parte que lhe correspondia na venda da propriedade, comprou-lhe uma casinha de estuque em Eldorado, um arrabalde deserdado de São Paulo. Sabia que Mengele não podia recorrer à justiça. Ao menos, ficava próximo da morada dos Bossert.

A casa era demasiado modesta e necessitava de obras. Mengele chamava-se agora Pedro. Ainda começou as reparações, mas faltou-lhe o ânimo.

Detestava o bairro onde passara a habitar: “um covil de pretos e mulatos debochados, de bandidos e de drogados”.

A 16 de maio de 1976, Josef Mengele sofreu um acidente vascular cerebral. Recuperou, mas ficou diminuído. O seu feitio estava cada vez pior. Os seus novos amigos deixaram de ser capazes de o aturar. Puseram um anúncio num jornal: “precisa-se mulher-a-dias, boa cozinheira, paciente e dedicada para um parente idoso”.

Respondeu uma mulher angulosa com cerca de trinta anos. Era Elsa Gulpian de Oliveira. Foi ela quem cuidou de Mengele nos últimos anos de vida.

Entretanto, o seu único filho, Rolf Mengele, adotara um posicionamento político de centro-esquerda. Licenciado em Direito, tornara-se, de certo modo, a ovelha negra da poderosa família Mengele cuja fábrica dominava a pequena cidade de Günsburg desde a primeira guerra mundial.

Ao longo da vida, Rolf convivera com o pai durante apenas algumas semanas.

Procurando uma síntese para as contradições que lhe queimavam a alma, visitou o progenitor no Brasil, em outubro de 1977.


O encontro desapontou-o. Josef Mengele era um homem frio, seco e egoísta. Não sentia qualquer remorso pelas mortes que carregava às costas.

Rolf regressou à Alemanha mais sozinho e triste do que viera.

A saúde de Josef Mengel continuou a piorar. De visita a uns amigos, sentiu-se mal ao nadar na praia da Enseada, junto a Bertioga, perto de São Paulo, e morreu afogado. Estava-se em fevereiro de 1979 e Josef Mengele contara 68 anos.

Foi enterrado em Embu com o nome de Wolfgang Gerhard. Usara durante anos o cartão de identidade do seu antigo amigo.

     Até ao final da vida, Josef Mengele mostrou-se orgulhoso pela sua atuação em Auschwitz.

Sonhara com a notoriedade e alcançou-a. O seu nome dificilmente será riscado das páginas mais negras da História da Medicina.

Os registos das experiências tenebrosas que levara a cabo em Auschwitz valiam muito menos do que ele pensara. Os sacrifícios dos prisioneiros judeus foram inúteis. Dali não saiu qualquer informação que acrescentasse o saber médico.

 

 

 

                   APOIO BIBLIOGRÁFICO

Aziz, Philippe. Os médicos da Morte. Desassossego, Porto Salvo, 2019.

Guez, Olivier. O desaparecimento de Josef Mengele. Planeta Manuscrito, Lisboa, 2028.

Posner, Gerald e Ware, John. Mengele – o médico responsável pelas terríveis experiências de Auschwitz. A Esfera dos Livros, Lisboa, 2006.


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