Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

terça-feira, 1 de abril de 2014


     MEDICINA EM MACAU
                                         
                   VII

      DOMINGOS DE QUADROS


      UM CIRURGIÃO COM SORTE


Em 1640, quatro meses antes da Restauração portuguesa, Macau enviou ao Japão uma embaixada que pretendia persuadir o “Rei” a reatar as relações comerciais interrompidas há décadas.



Tinham passado 43 anos sob o martírio de 26 cristãos em Nagasaki. Em 1597, Hideyoshi, que prosseguira o esforço de unificação política do Japão iniciado pelo senhor feudal Nobunaga condenara à morte seis missionários franciscanos, três jesuítas e dezasseis laicos, incluindo três crianças. A execução pública teve lugar numa colina situada nos arredores de Nagasáqui. Antes de serem mortos à lançada, os cristãos foram crucificados.


A violência teve raízes políticas. Tratou-se duma viragem enquadrada no processo de unificação da nação japonesa. É difícil não fazer comparações com a evolução registada em Espanha um século mais cedo, quando os judeus foram expulsos do reino. 
Tinham decorrido quase cinquenta anos desde que Francisco Xavier, Cosme de Torres e Juan Fernández haviam chegado a Kagoshima com o projeto de evangelizar o Japão.
De começo, o shogunato apoiara os católicos, que eram úteis para contrabalançar o poder dos monges budistas e facilitavam as relações comerciais com Portugal e Espanha.  
Os dirigentes japoneses sabiam, contudo, que as Filipinas tinham sido colonizadas depois de a sua população se converter ao catolicismo. A dada altura, a região católica passou a ser considerada uma ameaça ao poder central. Foi proibida e os seus fiéis foram sujeitos a perseguições que culminaram na execução pública de Nagasáqui. O cristianismo foi proscrito.
Sou levado a crer que, nas quatro dezenas de anos volvidas sobre o martírio, terá havido de parte das autoridades japonesas sinais de apaziguamento. Não se compreenderia, de outro modo, apesar do evidente interesse comercial, que a cidade de Macau se arriscasse a enviar ao Japão uma embaixada.



A 22 de junho de 1640, partiram de Macau, num chô (junco do alto mar) 74 pessoas. Regressariam 13, a 20 de setembro. As outras 61 foram degoladas em Nagasáqui.  
As autoridades japonesas recusaram receber a embaixada. A embarcação em que os de Macau tinham viajado foi queimada com tudo o que tinha dentro. A 3 de agosto, a maioria dos portugueses foi decapitada, juntamente com os seus servidores. Antes, tinham sido postos de lado, para voltarem a Macau e contarem o que tinham visto, o piloto, o contramestre (cabeça dos marinheiros) o escrivão do navio, o jovem cirurgião e nove marinheiros tirados à sorte. Os que escaparam à morte foram chamados para verem as cabeças dos executados. Deram-lhes uma soma (pequeno navio) no qual embarcaram a 1 de setembro.
O “surgião” Domingos de Quadros era filho de Macau e ali casado. Tinha 22 anos, na altura da viagem.


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