Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

sexta-feira, 1 de abril de 2016


DIA 1 DE ABRIL DE 1969

Contam-se hoje 47 anos sobre a minha entrada para o Internato Médico. Aconteceu nos Hospitais da Universidade de Coimbra no dia 1 de abril de 1969. Em todo o país, no mesmo dia, iniciaram a carreira médica mais de três centenas de novos internos.



 Pertenci ao último curso que teve de cumprir um estágio obrigatório e não pago. A seguir, estive desempregado durante oito meses. Havia, ao tempo, centenas de colegas na minha situação. 
A constituição do Serviço Nacional de Saúde ocorreu apenas dez anos mais tarde, culminando, de forma brilhante, um longo processo evolutivo que atravessou os regimes autoritário e democrático.  
Com a Lei 56/79, elaborada por António Arnaut, ministro dos Assuntos Sociais do governo de Mário Soares, os portugueses passaram a dispor de um serviço de saúde universal e gratuito que incluía a promoção da saúde, a prevenção da doença, o diagnóstico, o tratamento das doenças e a reabilitação. O Estado integrou uma rede de mais de 200 hospitais (um número significativo dos quais era privado) e apropriou-se da rede de prestação de cuidados ambulatórios pertencente à Federação das Caixas de Previdência e administrada pelos Serviços Médicos Sociais.
O Serviço Nacional de Saúde não nasceu de repente e já com barba. No processo que conduziu à sua criação merecem ser destacados três marcos: O Relatório das Carreiras Médicas, o decreto-lei 48879, de 22 de fevereiro de 1969, que instituiu nos hospitais centrais portugueses o Internato Médico e o Regulamento do Internato Médico, que se lhe seguiu e foi estabelecido pela portaria 240/70, de 14 de maio de 1970.


Miller Guerra

Em 1961, uma comissão constituída por Miller Guerra, Cid dos Santos, Celestino da Costa, Alves Pereira, António Galhordas e Ramos Dias, publicou as conclusões do seu estudo. Era o Relatório das Carreiras Médicas que, apesar de não ter consequências práticas imediatas, passava a constituir um documento fundamental para o desenvolvimento da profissão médica em Portugal. Nascia a ideia de um Serviço Nacional de Saúde.
Tive a oportunidade e a honra de conhecer os três últimos subscritores desta lista, de ordenação aleatória.
O seu principal relator, o neurologista Miller Guerra resumiu a situação paradoxal vivida por médicos e doentes: havia médicos desocupados e doentes sem assistência. Os médicos recém-formados não tinham trabalho nos hospitais nem na clínica livre. O ingresso ao internato era limitado. Para ser Médico Especialista era, em muitos casos, necessário dispor de condições económicas suficientes para viver durante vários anos sem remuneração, prestando trabalho voluntário em troca do acesso aos conhecimentos científicos indispensáveis. No lado de fora da bata, a situação era dramática: as camadas sociais desfavorecidas, que constituíam a maioria da população de Portugal, tinham acesso difícil e irregular aos cuidados de saúde.  


                                                          Lopo Cancela de Abreu

O decreto-lei 48879, de 22 de fevereiro de 1969, instituiu nos hospitais centrais portugueses o Internato Médico generalizado. O aproveitamento no primeiro ano do internato geral, remunerado, passava a ser necessário para a atribuição do grau de licenciado em Medicina.
Este documento lapidar criou as condições para que os hospitais estatais portugueses viessem a dispor do número de médicos necessários para a garantia de cuidados de saúde a quase toda a população portuguesa. Sem internato nacional não poderia haver Serviço Nacional de Saúde.


                                                         Baltazar Rebelo de Sousa

O Regulamento do Internado Médico, que se lhe seguiu, foi estabelecido pela portaria 240/70, de 14 de maio de 1970.
Na “longa noite fascista” houve sempre candeias acesas. O maniqueísmo político tende a fazer esquecer grandes vultos que procuraram modificar o regime por dentro, numa perspetiva reformista, e que alcançaram resultados importantes para o país durante a chamada “primavera marcelista”.


                               Francisco Gonçalves Ferreira

Os portugueses, e os seus médicos em especial, devem muito a Lopo Cancella de Abreu, Baltasar Rebelo de Sousa e Francisco Gonçalves Ferreira. Os dois primeiros foram ministros da Saúde e Assistência de Marcello Caetano. Gonçalves Ferreira foi Secretário de Estado da Saúde e Assistência, quando Baltasar Rebelo de Sousa era ministro.


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