Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

domingo, 6 de novembro de 2016


“AR” E OUTRAS MALEITAS


O “Ar” seria uma paralisia provocada pelo ar corrupto. Bluteau atribui-lhe o significado de “acidente de paralisia”.
A pesquisa a que procedi na Internet deu resultados insuficientes para caracterizar o suposto mal. Não fui capaz de entender se o “vento excomungado ou ar brabo” que passou causando paralisia em alguma parte do corpo (Rezas e simpatias – Professora Marly) e “ar arrenegado” de Manezinho da ilha (blogue Folclore) englobam ou não as inúmeras doenças neurológicas que provocam paralisias ou parésias, com relevância estatística para os acidentes vasculares cerebrais.
José Pedro Paiva dedica mais atenção à terapêutica do “Ar” que ao seu diagnóstico. Descreve várias fórmulas de tratamento.
Maria Fernandes, a Grila de alcunha, da freguesia de Macinhata de Seixa tratava os seus doentes com rezas: Fulano, pela graça de Deus e da Virgem Maria aqui te tiro o ar da noite e o ar da lua e o ar da morte e o ar do vivo e o ar de toda a coisa ruim, com S. Pedro e S. Paulo e todos os santos e santas.
António Martins, da freguesia de Avelãs de Cima, denunciado pelo próprio filho, mandava pôr o pé direito do doente sobre uma tábua em que tinha botado terra e o cercava com uma ponta de faca e isto antes do meio-dia e em tempo em que o sol fosse descoberto, e nunca depois do meio-dia, nem quando estivesse turvo e que nesse tempo rezava, e que da terra que estava debaixo do pé direito do enfermo, metia em uma bolsinha e a punha ao pescoço do doente e que lhe mandava rezar nove Padre-nossos e nove Ave Marias por espaço de nove dias.
José Pedro Paiva descreve ainda os tratamentos praticados pelos curandeiros para o “Mal do sentido”, que designava uma série de afeções ortopédicas, o “Cobrão”, palavra que ainda hoje é usada como sinónimo de Herpes Zooster ou Zona e abarcava uma série de irritações cutâneas atribuídas ao contacto com um animal repelente como as cobras, aranhas e lagartos. O “Fogo” ou “Osagre” era outra afeção cutânea que provocava ardor. As lombrigas eram tratadas principalmente com rezas e as mordeduras de répteis e de “cães danados” com rezas e ervas “virtuosas”.
As feridas, designadas por “carne talhada” ou “carne rendida”, eram vulgarmente tratadas aplicando sobre elas panos em forma de cruz. O benzedor bafejava-as e recitava algumas palavras em voz baixa. Havia quem colocasse sobre os ferimentos “uma massinha de pão com azeite, que era boa para puxar as matérias”.
Dou aqui por findas as referências ao livro do historiador José Paiva e às citações da sua obra cheia de interesse. Tenciono rematar esta série de pequenos artigos sobre as práticas de curandeiros e benzedores com o testemunho de um “curador" atual.


Fontes
José Pedro Paiva. Práticas e crenças mágicas. O medo e a necessidade dos mágicos na Diocese de Coimbra (1650 – 1740). Minerva Histórica, Coimbra, 1992.
Internet.


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