Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

terça-feira, 8 de novembro de 2016



A HISTÓRIA DA ANESTESIA EM PORTUGAL


Joaquim Figueiredo Lima prestou um serviço inestimável à História da Anestesia em Portugal ao publicar, este ano, o primeiro trabalho sistematizado sobre o passado da sua Especialidade. 
Escolheu alicerçar o seu estudo na análise das Teses de Dissertação Inaugural que afloram temas de Anestesia e foram apresentadas por alunos finalistas das Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e do Porto, no final do século XIX e no início do século XX. Recolho aqui algumas ideias avulsas que poderão contribuir para motivar a leitura do livro.
O hipnotismo era utilizado para combater a dor durante as intervenções cirúrgicas desde 1838.
A primeira anestesia com éter foi efetuada em Boston, em 1846, pelo dentista William Morton. A palavra “anestesia” foi criada logo a seguir. O procedimento chegou à Europa ainda nesse mesmo ano, e o éter foi utilizado, em dezembro, em Londres, Edimburgo e Paris. A partir de então, a sua utilização em cirurgia generalizou-se no mundo inteiro.
Em Portugal e no Brasil, começaram a realizar-se anestesias gerais com éter na primeira metade de 1847. No mesmo ano, a sociedade de Ciências Médicas de Lisboa divulgou a nova técnica por todo o país.  
O clorofórmio foi aplicado pela primeira vez como anestésico, no Porto, numa parturiente, por José Sinval.
As tentativas de anestesia nem sempre foram bem-sucedidas, registando-se alguns falhanços. Surgiram reações contra a sua utilização, tendo sido utilizados mesmo argumentos de natureza religiosa.
Aos poucos, foram sendo conhecidos os primeiros efeitos secundários da técnica: bronquites, pneumonias e “inflamação do cérebro”. Surgiram também as primeiras mortes atribuídas à anestesia.
Em 1850, Narciso Sampaio apresentou, na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, uma Tese de Dissertação Inaugural intitulada “Reflexão acerca das vantagens e inconvenientes que resultam da aplicação dos anestésicos nas operações cirúrgicas”. No mesmo ano, Lima e Bastos formulou um trabalho sobre a utilização do Método anestésico considerado em suas relações com a Arte dos Partos.
Foram sendo publicados numerosos estudos sobre as vantagens e inconvenientes dos anestésicos de inalação. Em janeiro de 1859, o jornal “The Times” citou um artigo de “The Westminster Review” no qual se estimava em 1,2 milhões o número de anestesias realizadas nos dez anos anteriores nos Estados Unidos da América, Inglaterra, França e Alemanha. O número de mortes resultantes da aplicação do processo era estimado em 74, sendo o clorofórmio o mais utilizado e, portanto, o que provocava mais óbitos.
Em 1869 foi utilizada, pela primeira vez, uma anestesia mista, proposta alguns anos antes por Claude Bernard. Baseava-se na injeção hipodérmica de cloridrato de morfina, antes da inalação de clorofórmio.
Em 1879, Paul Bert publicou um trabalho intitulado Anesthésie par le Protoxyde d`Azote mélangé d`Oxygène et employé sous pression. Referia-se a experiências efetuadas em animais. A aplicação a seres humanos não tardou e, em 1880, Raphael Blanchard publicou em Paris uma tese de dissertação que referia o emprego da nova técnica. A novidade chegou depressa a Portugal. Em Julho de 1880, António Magalhães apresentou na Escola Médico-Cirúrgica do Porto uma Tese de Dissertação Inaugural subordinada ao tema “Anestesia Proto-azótica”.
Aos poucos, foram sendo experimentados novos agentes anestésicos. O Brometo de Etilo foi apresentado em Portugal por António Leitão, em 1882, com base na experiência de autores franceses.
O éter e o clorofórmio foram os produtos mais utilizados em Anestesia Geral durante meio século. Foram sendo progressivamente abandonados à medida que foram sendo conhecidos agentes anestésicos mais eficazes e seguros.
Em 1946, um século após o seu início da anestesia clínica, foi proposta na Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa a criação de especialistas em Anestesia. 

Fonte: Figueiredo Lima, Joaquim. A Anestesia em Portugal (sec. XIX e início do sec. XX). Chiado Editora, Lisboa, 2016.

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