Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

sábado, 2 de fevereiro de 2019



RELAÇÃO MÉDICO-DOENTE


NA LITERATURA PORTUGUESA


  VIRGÍLIO FERREIRA




Virgílio Ferreira nasceu em Melo, na Serra da Estrela, em 1916, e morreu em Lisboa, em 1996. Chegou a frequentar o seminário do Fundão, mas acabou por se licenciar em Filologia Clássica, em Coimbra. Começou por aderir ao neorrealismo, porém depressa se deixou influenciar pelos existencialistas franceses André Malraux e Jean-Paul Sartre. O existencialismo já está bem patente na sua obra “Mudança”, de 1949.
Virgílio Ferreira escreveu 47 livros. É considerado um dos mais importantes romancistas portugueses do séc. XX, tendo ganho vários prémios de literatura. Foi, ainda, professor de Português e Latim em várias escolas do país.
Em “O nome da terra”, o escritor aborda a questão do consentimento informado. Na decisão da amputação da perna, o personagem, que fala na primeira pessoa, reclama ser ouvido. Considera que os médicos deram pouca importância à sua opinião. “Falam da minha perna com ela não fizesse parte de mim”. Sem o referir expressamente, o escritor deixa transparecer a falta de diálogo entre o médico e o doente.
Estou num quarto de hospital e o médico diz-me:
− Temos de lhe amputar a perna, como sabe. É coisa simples.
− Gostava de ver a minha perna depois.
− Mas é uma tolice. É uma coisa mórbida. Nem vai poder vê-la, ter a compreensão disso.
− Gostava.
Escreve, noutra página:
A gente chega ao fim, que é quando já não tem embalagem para haver mais futuro.
− E como é que começou?
Olhava a minha perna enquanto era minha e tinha uma pena triste.
Um dia fui fazer um eletrocardiograma e o médico perguntou-me?
− Não tem os dedos dos pés enegrecidos?
Que pergunta. Não tenho, doutor. Nunca tinha reparado mas disse não tenho, talvez para inclinar o destino a meu favor.


Texto retirado do capítulo “Relação Médico doente na Literatura Portuguesa”, do livro a integrar no Processo de candidatura da Relação médico doente a Património Imaterial da Humanidade.






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