Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

sábado, 9 de fevereiro de 2019




RELAÇÃO MÉDICO-DOENTE


NA LITERATURA PORTUGUESA


EPÍLOGO


Sendo médico e escritor, ainda que distante do fulgor das figuras que referi, terei o dever de deixar aqui, também, o meu contributo para o tema que aceitei abordar.
Nasci em Almendra (Foz Coa) em 1943. Pelos seis anos, acompanhei a minha família que se estabeleceu na cidade de Sá da Bandeira (Lubango), no sul de Angola. Aos 17, mudei-me para Coimbra, onde estudei Medicina. Cumpri o serviço militar como médico da Reserva Naval, a bordo do navio hospital Gil Eannes. Sou neurocirurgião aposentado e fiz toda a minha carreira profissional nos hospitais de S. José e dos Capuchos.
Publiquei 14 livros, divididos entre o romance, o conto, a biografia e o ensaio.
Escrevi, no artigo “O Médico do Futuro”, publicado recentemente na Revista da Ordem dos Médicos:
Mesmo com tecnologias novas e revolucionárias, a natureza humana não mudará e será bom tê-la em linha de conta. A relação entre aquele que trata e aquele que sofre, independentemente dos avanços tecnológicos, deverá continuar a ser uma relação humana privilegiada. Desconheço, naturalmente, as maravilhas que a evolução técnica irá pôr à disposição dos nossos Colegas de amanhã. No entanto, a natureza humana não se irá modificar. As pessoas em sofrimento irão continuar a precisar da compaixão de quem os trata. Compaixão, compreensão, afeto, proximidade e capacidade de comunicação. Em suma: empatia.
Provavelmente, o fator mais relevante na aproximação médico doente continuará a ser a disponibilidade para ouvir. Não existem bons médicos que não saibam escutar os seus doentes. Poderá seguir-se a voz, que transmite sentimentos e raciocínio. Os enfermos querem entender o que pensamos. A escolha das palavras e o recurso à prudência são atributos antigos da Arte de Curar. Ontem, como hoje, as palavras e as atitudes têm efeitos terapêuticos.
Um amigo meu disse neste espaço, anos atrás, que o olhar detinha capacidades curativas. O doente pretende que atentemos nele e o modo de olhar pode ajudar a expressar os nossos sentimentos. Mas não é apenas o olhar. Ouvir, falar, sorrir, tocar, são atos terapêuticos que reforçam a ação dos medicamentos e das técnicas. Mesmo em especialidades em que a palpação não seja essencial para a observação clínica, um aperto de mão ou uma palmadinha no ombro ajudam a dizer aos doentes que nos interessamos por eles.
Trata-se de procedimentos objetivos e mensuráveis. Há quem valorize o efeito placebo em cerca de 40%, embora sejam apontados outros números.
Bastará lembrar as medicinas chamadas alternativa que se desenvolvem à nossa volta. Pouco mais do terão a oferecer que esse efeito e, ainda assim, florescem. Tolos serão os médicos que não procurem reforçar a ação curativa com a indução de sentimentos positivos.
Quem não for capaz de sentir verdadeiramente a compaixão e de exercer o seu mister com bondade, deverá escolher outro ofício, em vez de ser médico.

Texto retirado do capítulo “Relação Médico doente na Literatura Portuguesa”, a integrar no livro do Processo de candidatura da Relação médico doente a Património Imaterial da Humanidade.



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